Há poucos meses da realização da Conferência das Partes 15 (COP) que vai discutir em Copenhague questões para diminuir o efeito estufa no mundo, o Amazonia.org.br fez uma entrevista exclusiva com Peter May, diretor adjunto da Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e uma das referências mundiais na questão do clima na conservação da floresta. Segundo ele, "é necessário pensar não só em diminuir o fluxo de gases oriundo da redução dos desmatamentos, mas também reverter o fluxo por meio do incremento em estoques terrestres de carbono, pela restauração de florestas".
Confira abaixo a entrevista na íntegra.
Amazonia.org.br - Na semana passada foi divulgado pelo The Forests Dialogue um relatório que diz ser fundamental o investimento em REDD-plus (politicas de redução de emissões para o desmatamento e a degradação). Qual a sua opinião sobre a questão?
Peter May - Diria que é fundamental que haja este tipo de investimento por causa da importância que assume o combate ao desmatamento e restauração de áreas florestadas, dentro do quadro geral de combate ao efeito estufa.
Particularmente para o Brasil, que tem a maioria das suas emissões atuais e históricas associadas de alguma forma à mudança no uso do solo e/ou florestas (pelo menos 55%, por algumas estimativas atuais), é fundamental não somente evitar que haja mais desmatamento, mas – quando chegarmos ao ponto em que o desmatamento não seja mais tão significativo – termos alguma forma para continuar contribuindo no combate ao efeito estufa, recuperando as áreas excessivamente desmatadas nas regiões outrora florestadas, tais como a Mata Atlântica e o cerrado.
Quais os pontos positivos e negativos do REDD? E REDD-plus?
May - Neste momento, tudo depende de como se estrutura a arquitetura de REDD no contexto dos acordos pós-Quioto que estão em discussão no âmbito da UNFCCC [United Nations Framework Convention on Climate Change]. Qualquer das opções pode ser interessante se resultar num fluxo de recursos adicional que incentive uma maior conservação e/ou uso sustentável dos recursos florestais em prol do bem-estar das comunidades que destes dependem.
Um dos problemas mais discutidos é como você poderá estimular atividades por parte de atores econômicos particulares no sentido de evitar mais desmatamento, se a unica forma de creditar reduções no desmatamento é ao âmbito do Estado-nação. Neste sentido, se na soma de todos os desmatamentos ocorridos em determinado período, se não houver cumprimento com a meta estabelecida, não haverá o crédito do esforço associado com aqueles projetos ou ações tomadas que tiverem eficácia na redução local ou sub-nacional das emissões.
Este aspecto da arquitetura de REDD / REDD+ e derivados, torna-se algo crítico para a atração de capital privado, que não irá depender da performance do país, sobre o qual os gestores de projetos não tem controle.
Apenas o investimento em REDD não seria suficiente para conservar a floresta e, desta forma, diminuir as emissões de CO2?
May - Precisa-se pensar no que fazer para não só reduzir o fluxo de gases oriundo da redução dos desmatamentos, mas também reverter o fluxo por meio do incremento em estoques terrestres de carbono, pela restauração de florestas. No momento, a floresta amazônica sequestra mais ou menos a mesma quantidade de carbono que ela perde por desmatamento e queimadas.
Se parar o fluxo negativo, já terá alguma recuperação de estoques de carbono pelo processo natural de seqüestro de carbono. Mas em algum momento, devido ao aquecimento do planeta já comprometido, este vai reverter a situação e a floresta vai começar a respirar CO2 para a atmosfera. Para ir contra este fluxo negativo, precisa-se recuperar as florestas, ajudando a evitar um aquecimento de tal ordem.
Além desta questão de ordem biofísica, há a certeza de que unicamente ações associadas com a mitigação de emissões não sejam suficientes para conservar o que resta das florestas importantes para o bem-estar da sociedade local e global. Outros mecanismos terão de ser contemplados, incluindo alguns daqueles que já estão em processo de implantação no Brasil, como o ICMS-Ecológico, o Zoneamento Ecológico-Econômico, e os planos para redução de desmatamento no âmbito do PPCDAM, entre outros.
Há ainda mercados para outros serviços das florestas que precisam ser criados, tais como aqueles que são voltados para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, da água e de vistas cénicas. Mesmo com todos estes instrumentos e ferramentas, a força do crescimento das atividades econômicas que depredam as florestas são mais fortes e mais imediatas. Precisa-se encontrar meios para agregar valor às práticas não predatórias de produção de commodities agropecuárias, para que estes incorporem objetivos ambientais.
A COP 15, que será realizada em Copenhague em dezembro, vai discutir o REDD. Quais os pontos que, na sua opinião, serão os mais polêmicos? Por quê?
May - Os principais pontos em discussão parecem ainda ser os de sempre:
1) escopo (RED, REDD, REDD+, REDD++, etc.) que tratam da inclusão de quais tipos de uso do solo ou atividades que possam ser contemplados nos programas nacionais (só florestas, florestas atuais e degradadas, estas mais agroflorestas e manejo florestal sustentável, etc.);
2) prioridades (países ou regiões com alta floresta intacta e alta ameaça de desmatamento – ALTA/ALTA; ALTA/BAIXA; BAIXA/ALTA e BAIXA/BAIXA são algumas categorias que tem sido identificados, dai depende também a questão de assegurar estoques para o futuro após equacionar a questão do fluxo de perdas;
3) fungibilidade (se serão aproveitaveis créditos de redução de emissão de atividades REDD, etc. para abater as emissões excessivas do Norte, e qual proporção destas seriam abatíveis, ou devem ser todas emissões “adicionais” além do exigido para um eventual novo acordo de reduções de emissões de outras fontes (energia, transporte, etc.).
Este último é um ponto essencial para o volume de recursos que poderia vir a ser disponibilizado através deste instrumento, e explica a migração gradativa do Brasil (com recente pressão do empresariado e da Fazenda, se juntando ao coro das ONGs envolvidas com o Pacto Desmatamento Zero) para aceitar recursos oriundos do mercado de carbono para atividades associados com a redução do desmatamento.
Todos estes pontos são polêmicos, tendo ganhadores e perdedores associados. Há ainda o temor 4: que um volume grande de novos créditos de carbono associados com redução do desmatamento irá inundar o mercado, reduzindo o valor de cada tonelada de CER (certificado de redução de emissão) comercializada. Tudo depende das limitações adotadas nas emissões de gases de outras fontes – se estes forem rigorosos e com horizonte menor (p.e., reduzir 30% até 2020, como proposta por alguns negociadores), haverá mais recursos no mercado de carbono, que não perderá seu valor pela disponibilidade de um maior volume de créditos.
Você acredita que algum acordo sobre REDD será aprovado durante a conferência? Qual?
May - Acredito que algum acordo, seja aprovado, provavelmente de transição, para desenvolver instrumentos específicos e definições associados com os pontos polêmicos. Pode ser que nesta etapa, somente sejam contemplado projetos que envolvem o REDD “basicão”, o que já implica uma mudança de rumo nos instrumentos de mitigação do clima (posição adotada por Achim Steiner, Secretário Executivo do PNUMA, para quem é “better REDD than dead” - é melhor REDD que morrer - na tradução livre).
Há um número grande de projetos já em alguma fase de contemplação por mecanismos informais (investidores privados) que precisarão de alguma definição do quadro regulatório para poder continuar atraindo interesse de fontes financeiros. Já se registra mais de 70 projetos apresentados ao Fundo Amazonia do BNDES, numa fase inicial, sem recursos provenientes do mercado de carbono, apenas oriundo de uma doação da Noruega. Apesar de generosa, esta não dará conta do recado sozinho.
No caso no Brasil – e principalmente da região amazônica – o que se pode ganhar (ou perder) nas discussões do REDD?
May - Para o Brasil, interessa um escopo o mais amplo possível, incluindo a restauração de áreas degradadas e ações de pequeno porte incluindo agroflorestas de produtores rurais, como base para cálculo REDD+; também interessa tanto áreas de ALTA/ALTA quanto ALTA/BAIXA, pois ai inclui tanto estados como Mato Grosso quanto Amazonas, na Amazônia, e poderia interessar também atividades em locais com características BAIXA/ALTA em áreas como o cerrado ou Mata Atlântica. E, como mencionado, o volume de recursos certamente será ampliado se o Brasil aceita a formulação pela qual há maior fungibilidade de créditos.
Os governadores dos estados na Amazônia estão pleiteando os recursos do REDD. Você acha que esses recursos deveriam ser destinados de forma descentralizada aos Estados ou centralizada à União (MMA)? Por quê?
May - Esta questão reverte ao problema acima enunciado com respeito aos projetos subnacionais, sejam particulares ou estaduais, no quadro de uma arquitetura de contabilidade de reduções que precisa prestar contas para a UNFCCC, nação por nação. Se continuar o desmatamento líquido em Mato Grosso mesmo com um regime REDD implantado, por exemplo, um projeto em Amazonas pode não ter acesso a novos créditos de carbono para continuar suas investidas em conservação de florestas e Bolsa Floresta.
Uma possível saida é a chamada “nested strategy”, em que os projetos possam ser premiados pela redução alcançada, independentemente do que acontece a nível do país, mas o país só possa ser creditado, se o inventário evidencie um resultado líquido de emissões abaixo do patamar usado como linha de base (na proposta brasileira, a média móvel dos 10 anos anteriores ao ano contemplado).
Neste sentido, terá a perspectiva de gestão tanto estadual (ou projeto) quanto nacional. Inicialmente esta abordagem não foi considerado desejável pelos negociadores nacionais, mas com a pressão dos governadores, acredita-se que alguma formulação seja adotado que permite as duas formas de contabilidade conjuntamente.
(Amazonia.org.br, 05/10/2009)