Não é de hoje que André Puccinelli, governador do estado do Mato Grosso do Sul (PMDB), faz fama esparramando nos jornais provocações no mínimo de mau gosto. Um latifundiário degradador do meio ambiente? Perseguidor de sindicatos, movimentos sociais e povos indígenas? Ou um potencial estuprador homofóbico? Em uma pesquisa pelo noticiário é possível encontrar declarações do governador sulmatogrossense que fazem com que seu perfil se encaixe em todos estes adjetivos.
No entanto, o que não se pode pensar é que se trata de um louco. Nenhuma das palavras ditas por este médico ítalo-brasileiro, duas vezes prefeito de Campo Grande, eleito governador do estado em 2006, são gratuitas, desfocadas ou sem interesse. Ao contrário, Puccinelli utiliza o fato de, no estado, todos os meios de comunicação estarem alinhados com sua política para mandar recados violentos e ameaçadores contra seus adversários.
O estupro da cana
Em seu último episódio grotesco, o governador chamou o ministro do meio ambiente, Carlos Minc, de “viado” “fumador de maconha”. A desqualificação do ministro foi dita durante uma palestra a empresários do setor sucroalcoleiro interessados em plantar cana-de-açúcar na Bacia do Alto Paraguai, onde se localiza o Pantanal.
Puccinelli chutou a bola para sua torcida ainda mais alto quando alertou que se Minc participasse da próxima Meia-Maratona Internacional do Pantanal, a ser realizada dia 11 de outubro, sairia da corrida como vencedor. "Porque se não eu [Puccinelli] o alcançaria e ele seria estuprado em praça pública".
A diferença entre o governador e o ministro está no plano de Zoneamento Agroecológico da Cana-de-açúcar, divulgado no último dia 17 de setembro pelo governo federal. O zoneamento estabelece regras para o uso do solo no plantio da cana, proibindo seu cultivo e instalação de usinas de álcool na Bacia do Alto Pararguai.
As pretensões do setor sucrooalcoleiro são grandes para o Mato Grosso do Sul. Está planejada, até 2012, a construção de 51 novas usinas de álcool no estado e -- como obra do Plano de Aceleração do Crescimento -- a construção de um alcoolduto de 920 quilômetros que ligará Campo Grande até o Porto de Paranaguá para facilitar o escoamento do combustível da região Centro-Oeste para exportação .
Nas contas de campanha apresentadas por Puccinelli à Justiça Eleitoral do Mato Grosso do Sul é possível justificar o comportamento agressivo contra Minc. Dos R$ 7.164.813,94 recebidos para o financiamento de sua campanha eleitoral os maiores doadores foram as empresas Tavares de Melo Açúcar e Alcool S/A (592 mil reais) e Equipav S/A Açúcar e Alcool (300 mil reais).
Contra os índios como no velho oeste
Outra oposição que enfrentam os planos da indústria do etanol é a demarcação das terras indígenas. O estado com a segunda maior população indígena do Brasil tem um dos piores déficits de terras demarcadas. Com a maior parte de suas terras nas mãos dos produtores de cana-de-açúcar os Guarani Kaiowá sofrem com altos índices de morte por desnutrição infantil.
Atualmente o governador tem liderado uma campanha para o não reconhecimento das terras indígenas. “Trata-se de uma questão grave. Um governador com responsabilidades públicas que assume causas privadas. Destinando recursos públicos para inúmeras idas à Brasília, articulações políticas no estado e mobilização da opinião pública contra a demarcação das indígenas em favor do agronegócio”, denuncia o coordenador do Conselho Indigenista Missionário em Mato Grosso do Sul, Egon Heck .
“O governador representa e lidera a elites econômicas do estado, nos setores agroindústria e sucroalcoleiro, que tem forte influência e são capazes de fazer gestões junto ao governo federal para barrar o processo de demarcação” concorda Pedro Kemp, deputado estadual pelo PT em Mato Grosso do Sul.
O Papai Noel com Alzheimer
A virulência de André Puccinelli se direciona também ao funcionalismo público. Por meio de decreto assinado na véspera do Natal de 2008, o governador revogou a licença que permitia a assistente social, Lílian Olívia Fernandes, de presidir o Sindicato dos Trabalhadores na Administração (Sindsad).
O motivo para cassação foi a oposição feita pelo Sindicato à uma convocação dos seus filiados para uma nova perícia médica marcada para ser realizada dentro da Academia da Polícia Militar. “A gente avaliou que esta seria uma forma de pressão para exoneração de funcionários sob licença médica e de maternidade”, afirma Lílian.
Dois dias depois de ter a presidência do Sindicato cassada a sindicalista contestou a medida encaminhando um ofício a governadoria. O ato soou tão esdrúxulo que, em entrevista coletiva, Puccinelli negou ter homologado a decisão: “não tomei medida nenhuma, só se eu estiver com mal de Alzheimer [doença]”. No dia seguinte, o governador voltou atrás e revogou a medida, reconhecendo sua assinatura e erro no decreto 4554, publicado no Diário Oficial.
Para Lílian, “só um psicólogo poderia explicar o porquê dele [Puccinelli] ser tão violento”. “Meu nome foi exposto ao ridículo. No dia de natal, passei por uma coisa tão absurda que penso sinceramente em processá-lo”, avalia a assistente social que segue na presidência do Sindsad.
Inimigo dos professores
Outra vítima dos destemperos foram os professores do estado chamados de vadios pelo governador. Em novembro do ano passado, após uma reunião com a Federação de Trabalhadores da Educação do Mato Grosso do Sul (Fetems), o governador afirmou à Agência Brasil, que o aumento do tempo de planejamento de aulas para 1/3 da carga horária de trabalho do professor, como prevê a Lei Federal 11.738/08, trata-se de "vadiagem".
"Eu fui cirurgião de trauma. Aí, um doido te atropela, foge, você está sangrando e entra em choque. Eu vou planejar 13 horas como fazer a cirurgia? Não tem necessidade de aumentar horas de planejamento e diminuir o essencial, que é ensinar o aluno. O que precisa é dar aula para a gurizada", disse o governador, que concluiu com a seguinte pérola: "Vocês não vão ficar com horas a mais de vadiagem, vão ficar só com dez horas de planejamento/vadiagem".
Na avaliação do deputado estadual do PT, Pedro Kemp “o governador tem um perfil autoritário, centralizador e ultrapassado, que não respeita os movimentos sociais, nem costuma negociar ou receber sindicalistas”.
Jaime Teixeira, presidente da Fetems, conta que esta não é a primeira vez que sua organização sindical tem problemas com o governador. Em novembro de 2007, o sindicalista entrou com uma representação no Ministério Público Estadual (MPE) contra o governador por descobrir a PM-2 (serviço reservado de inteligência da Polícia Militar) espionando uma assembléia de professores em Campo Grande. “O patrulhamento dos movimentos sociais é uma forma de intimidação para que não haja nenhum tipo de mobilização no estado. Mas esse tempo já passou” explica Jaime.
(Por Cristiano Navarro, Brasil de Fato, 01/10/2009)