Área de PR, SC, RS, Paraguai e norte argentino só perde para centro dos EUA. População local sofre mais com fenômeno hoje porque ocupação territorial cresceu, diz cientista; ventos podem chegar a mais de 400 km/h
O perímetro compreendido pelos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, oeste do Paraná e pelo norte da Argentina e Paraguai é a segunda maior área em incidência de tornados do mundo. Apenas a planície central dos Estados Unidos oferece condições mais propícias para o fenômeno. A conclusão é de um estudo liderado por Harold Brooks, do NSSL (Laboratório Nacional de Tempestades Severas, na sigla em inglês), nos EUA.
Segundo a pesquisa de Brooks, as condições climáticas geradas pelo choque de massas de ar frio da Patagônia com ventos tropicais formados na Amazônia propiciam a ocorrência de tornados, em média, 15 dias por ano no norte argentino e no Sul do Brasil. Em setembro, tornados causaram pelo menos 14 mortes no Brasil e na Argentina. Na Província argentina de Misiones, o estrago foi generalizado, e dez pessoas morreram no dia 7 de setembro. Na cidade de Guaraciaba, extremo oeste de SC, quatro pessoas morreram.
Os tornados têm início após a formação de uma tempestade, causada pelo encontro em alta velocidade de ar quente e úmido com outra massa de ar frio e seco. No momento do impacto, as duas massas começam a girar. No centro da tempestade, surge um funil que toca o solo.
Ernani Nascimento, professor de meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria (RS), afirma que a geografia e a topografia da região influenciam a ocorrência do fenômeno. O corredor de tornados da América do Sul situa-se na topografia plana do pampa, a leste dos Andes. Na planície norte-americana, o fenômeno costuma surgir ao lado das montanhas Rochosas. "Nas escolas se ensina que o Brasil é um país livre de desastres naturais, mas os tornados mostram que isso é errado", afirma Nascimento.
O Serviço Meteorológico Nacional da Argentina concluiu que Misiones foi atingida em 10 de setembro por um ciclone tipo F4, numa classificação que vai de F0 a F5. A escala Fujita, criada em 1971 para medir a intensidade dos tornados, define o F4 como "devastador", categoria em que a velocidade dos ventos é estimada entre 333 e 421 km/h. Os estragos se espalharam numa faixa de mil metros de largura e 15 km de extensão, perto da fronteira com SC.
No mesmo dia, do lado brasileiro, Guaraciaba também foi sacudida por um fenômeno similar. Casas foram arremessadas a até 50 metros de distância e grande parte da infraestrutura urbana da cidade, de 10 mil habitantes, virou destroços. Eugênio Hackbart, diretor-geral do serviço meteorológico privado MetSul, afirma, com base na análise de imagens dos estragos, que pelo menos sete tornados ocorreram no RS e em SC no mês passado.
Sem registros dos tornados nos momentos em que ocorrem, a faixa de destruição, árvores ou estruturas arrancadas por ventos fortes são as "pistas" deixadas pelo evento. Não há estudos que relacionem o aquecimento global a tornados no Sul. Essa evidência existe apenas para furacões, um fenômeno diferente. Alguns cientistas creem que o número de tornados não cresceu na região, mas o fenômeno tem sido mais percebido porque a ocupação humana na região aumentou.
"Talvez não haja aumento da incidência dos tornados, e sim mais gente no caminho deles", diz Olívio Bahia Neto, meteorologista do CPTEC (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos), de São Paulo.
Escassez de radares atrapalha monitoramento do fenômeno
Embora tenha uma das maiores incidências do mundo de ocorrência de tornados, o Brasil ainda lida com o fenômeno na base do improviso. Segundo cientistas, a Região Sul tem apenas metade do número de radares de que precisa, e é difícil recrutar equipes que percorrem áreas afetadas para documentar estragos e produzir indicadores confiáveis a respeito das ocorrências.
Em todo o Sul só há cinco radares, o que torna boa parte da região "ponto cego" para estudiosos da ocorrência dos fenômenos. Apenas um usa tecnologia dopler, que permite medir a velocidade do vento e se há rotação dentro das nuvens, elevando a precisão da localização dos pontos onde a chuva e a ventania serão fortes. Pelas contas do meteorologista Ernani Nascimento, da Universidade Federal de Santa Maria, seriam necessários pelo menos dez radares dopler para cobrir o Sul do país.
Tão incipiente quanto o sistema de previsão é o registro da ocorrência dos tornados. Enquanto nos Estados Unidos o estudo dos estragos feitos por esse tipo de fenômeno é feito por equipes de cientistas que vão ao local no dia seguinte ao fenômeno, no Brasil isso depende de voluntários. Nem sempre as pessoas que se colocam à disposição têm qualificação para executar o serviço, afirma os cientistas.
É a falta de um sistema de equipes de campo que faça laudos técnicos depois dos incidentes que inviabiliza a produção de estimativas seguras sobre tornados no país. "No Brasil não existem equipes responsáveis por identificar qual foi o fenômeno climático e qual a velocidade do vento no local da ocorrência. Ainda está tudo sendo feito de maneira improvisada", afirma Nascimento.
(Por Graciliano Rocha, Folha de S. Paulo, 04/10/2009)