Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), encontraram cinco espécies de aves endêmicas e ameaçadas de extinção e registraram mais outras 46, elevando para 235 o número de espécies identificadas na região do Boqueirão da Onça, na Bahia. O levantamento foi feito durante duas expedições realizadas este ano na região, mais especificamente nas áreas situadas nos municípios de Campo Formoso, Sento Sé, Juazeiro e Umburana, na Bahia, lugar em que o governo federal pretende criar um parque nacional.
Local de difícil acesso, o Boqueirão da Onça surpreendeu os pesquisadores não só pelo fato de ser uma área remanescente do bioma caatinga muito bem conservada, mas também por causa da grande variedade de espécies de aves endêmicas e de outras ameaçadas de extinção vivendo no local. A existência do beija-flor-de-gravata-vermelha (Augastes lumachella), por exemplo, foi uma das grandes surpresas da expedição, visto que, para a comunidade científica, a distribuição dessa espécie não ultrapassava os limites da região do Morro do Chapéu.
“A pequena e bela ave foi registrada nas duas expedições, e foi possível não só fotografá-la, como também fazer o anilhamento de um indivíduo da espécie (colocação de um anel metálico numerado na perna do animal)”, conta o pesquisador e analista ambiental do ICMBio no Cemave, Elivan Arantes de Souza. Segundo ele, “esse beija-flor tem uma distribuição restrita aos ambientes de topo de montanha da cadeia do Espinhaço e, por isso, é considerado quase ameaçado de extinção pela lista de espécies globalmente ameaçadas da IUCN”, informa.
Extinção
Aves ameaçadas de extinção, como o jacucaca (Penelope jacucaca) e o pintassilgo-do-nordeste (Carduelis yarellii), que estão na lista brasileira de aves ameaçadas de extinção, bem como o arapaçu-do-nordeste (Xiphocolaptes falcirostris) e outras espécies endêmicas, como o bico-virado-da-caatinga (Megaxenops parnaguae), o arapaçu-beija-flor (Campylorhamphus trochilirostris), o joão-xiquexique (Gyalophylax hellmayri), são animais cuja existência na área revela que o Boqueirão da Onça não é somente um dos últimos refúgios da onça-pintada, mas também um dos poucos abrigos de animais e plantas da caatinga, bioma único no mundo e ameaçado de desaparecer por causa da devastação.
A arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari), por exemplo, criticamente ameaçada de extinção, foi vista e fotografada nas duas expedições. São dois indivíduos remanescentes da população da espécie avistados nas proximidades de Sento Sé. Eles haviam sido vistos em 2002, quando houve uma primeira expedição para a região com o intuito de estudar as possibilidades de transformá-la em unidade de conservação. Como não procriaram, os pesquisadores supõem que se trata de dois indivíduos do mesmo sexo.
Todavia, enquanto no Boqueirão da Onça há apenas dois exemplares de arara-azul-de-lear, em Jeremoabo e Canudos a população cresceu e, no mesmo período – de 2002 até hoje – houve um aumento de 300% na quantidade de indivíduos da espécie. Os moradores da região do Boqueirão contam que na década de 1980 havia cerca de 30 dessas araras na região, mas foram sendo capturadas pelos traficantes de animais silvestres e a quantidade foi diminuindo.
Parque
Outros centros nacionais especializados em fauna do ICMBio, como o Centro de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB), o Centro de Pesquisa e Conservação de Répteis e Anfíbios (RAN) e o Centro de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), também têm realizado expedições para estudar a fauna do Boqueirão da Onça com o objetivo de produzir informações para subsidiar o Instituto Chico Mendes na identificação das espécies e na definição da proposta de criação do Parque Nacional do Boqueirão da Onça.
Com os estudos, os pesquisadores do instituto pretendem confirmar que a região é uma área singular no mundo, comprovar que se trata de um dos últimos remanescentes da caatinga em ótimo estado de conservação e ter argumentos para defender a proposta de transformação da área em unidade de conservação.
Os estudos ainda estão em andamento, mas os pesquisadores já constaram que, por ser bem conservado, o lugar assegura a sobrevivência das espécies de fauna e de flora da caatinga. A beleza cênica contribui para validar a proposta de criação da nova unidade: “no meio da secura da paisagem típica da caatinga, há locais úmidos, verdadeiros oásis. São os chamados boqueirões, locais úmidos que têm a importante função de servir de refúgio aos animais na época da seca”, explica o pesquisador.
Diversidade
Na região, há também os campos rupestres, situados em altitudes acima de 900 metros, com uma diversidade de fauna e de flora muito pouco conhecida cientificamente. A região é bastante extensa, pouco habitada, e de difícil acesso. Num cenário como esse, segundo Souza, ainda tem muito o que ser descoberto. “Apesar de significantes, as descobertas ainda são poucas em relação à área prevista para o parque nacional, acreditamos que a região do Boqueirão da Onça tem grande potencial para ser uma área protegida do ecossistema caatinga e dos ecótonos que lá existem”, avalia Elivan Souza.
Ele participou das duas expedições e conta que durante o levantamento os pesquisadores observaram uma águia-chilena no ninho e um falcão-relógio copulando. As duas cenas, segundo ele, “demonstram que, além de representar um dos últimos locais para proteção da onça-pintada, a região é um sítio de reprodução de grandes falconiformes, espécies que parecem se sentir confortavelmente protegidas para se reproduzirem nessa área”, afirma.
Além dos analistas ambientais do ICMBio, participam das expedições, à convite do Cemave, pesquisadores e colaboradores de diversas universidades, como a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), bem como outras instituições e organizações não governamentais, como a Aquasys NE.
(Por Carla Lisboa, Ascom ICMBio, 30/09/2009)