Para ser criada, comissão precisava ser aprovada por 27 senadores e 171 deputados
Uma "operação de retirada", comandada pelo Palácio do Planalto, desmontou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar repasses de recursos públicos para o Movimento dos Sem-Terra (MST). A investigação foi enterrada porque faltou o apoio de três deputados. "Ficou claro na retirada de assinaturas a mão do governo", disse o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO).
Para criação de CPI mista são necessários 27 endossos no Senado e 171 da Câmara. Na tarde de quarta-feira (31/09), o requerimento contava com 34 senadores e 192 deputados. Horas depois, após embarque e desembarque de parlamentares, ainda houve mais duas adesões no Senado, mas na Câmara sobraram apenas 168 assinaturas válidas - 3 a menos do que o mínimo exigido.
No total, 42 deputados deixaram de apoiar o pedido de CPI, incluindo 17 peemedebistas e até dois da bancada ruralista, Enio Bacci (PDT-RS) e Nelson Marquezelli (PTB-SP). A oposição, apesar de coletar novas assinaturas, não conseguiu impedir o arquivamento.
Questão eleitoral
"Há algumas semanas o tom dos líderes ruralistas foi contaminado pela questão eleitoral, pela radicalização, e por isso a CPI perdeu apoio dentro do Parlamento", disse o vice-líder do PMDB, Rocha Loures (PR), um dos deputados que retiraram a assinatura do requerimento.
Caiado acusou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, de participar da operação por estar "envolvido até o pescoço" nas irregularidades. "Essa investigação inquieta o governo, porque não é só envolvimento ilegal com o MST, existe o envolvimento direto de um ministro, filiado ao PT, que trabalha como office-boy do João Pedro Stédile", afirmou, referindo-se a um dos principais líderes dos sem-terra.
O pedido da CPI do MST foi protocolado por Caiado, pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO) e pelo deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS). O objetivo era apurar informações - publicadas pelo Estado e outros órgãos de imprensa - de que o movimento recebe e aplica, irregularmente, verbas do governo. Segundo a revista Veja, do último lote de repasses - somando R$ 60 milhões - para o MST, cerca de R$ 40 milhões foram enviados pela União.
Essa foi a segunda tentativa da bancada ruralista de investigar o dinheiro destinado aos sem-terra. Em 2005, a CPI da Terra identificou repasse de R$ 18 milhões da União para convênios firmados com cooperativas ligadas ao MST e recomendou o enquadramento de ocupação de terra como "ato terrorista".
Manifesto
Na semana passada, um grupo de 60 intelectuais, políticos, juristas, representantes da Igreja e sindicalistas divulgou manifesto, criticando a bancada ruralista e defendendo a atualização dos índices de produtividade no campo. "Esse movimento paga diariamente com suor e sangue por sua ousadia de questionar um dos pilares da desigualdade social no Brasil: o monopólio da terra", diz o documento. O grupo chegou a ser recebido pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) nesta semana.
O MST também criticou a intenção dos parlamentares de investigar a agremiação. "Apesar disso, resistimos e vamos continuar a organizar os trabalhadores pobres do campo para a luta pela reforma agrária, um novo modelo agrícola, direitos sociais e transformações estruturais que criem condições para o desenvolvimento nacional com justiça social", diz a nota divulgada à imprensa.
Na próxima terça-feira, a bancada do DEM se reunirá para decidir se vai insistir nas investigações. Para uma nova tentativa é preciso recolher o número de assinaturas exigido pelo regimento e reapresentar o requerimento.
(Por Carol Pires, O Estado de S. Paulo, 02/10/2009)