Os povos indígenas Yvyraparakwara e Jurureí, além de outras etnias isoladas que ainda são desconhecidas, podem ser dizimados pela pavimentação de 291 quilômetros da BR-429, no sul de Rondônia. O alerta é do Ministério Público Federal em Rondônia ao justificar um pedido à Justiça Federal em defesa da paralisação da obra da rodovia que dá acesso à fronteira com a Bolívia.
O MPF argumenta numa ação civil pública que o asfaltamento da BR-429 não cumpriu as leis de licenciamento ambiental e não levou em conta os impactos que a obra causará na região e aos índios. O procurador da República Daniel Fontenele pede à Justiça Federal a imediata paralisação da obra de asfaltamento pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e fiscalização urgente, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), dos impactos ambientais já ocorrido nos trechos pavimentados, sob pena de multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento.
A BR-429 abrange os municípios rondonienses de Alvorada D’Oeste, São Miguel do Guaporé, Seringueiras, São Francisco do Guaporé e Costa Marques. A rodovia passa perto de áreas de conservação federais (Parque Nacional de Pacaás Novos e Reserva Biológica do Guaporé) e terras indígenas demarcadas (Uru-Eu-Wau-Wau, Rio Branco e Massaco) e corta territórios a serem demarcados para os índios Poruborá e Miguelenos, além de áreas de etnias de índios isolados.
Na avaliação do MPF, a pavimentação vai intensificar o acesso clandestino e a exploração dos recursos naturais na região, causar confrontos entre ocupantes e invasores, gerando consideráveis riscos de diminuição de território indígena pela presença de garimpeiros e madeireiros, além de confrontos que podem levar à morte dos índios isolados.
Na ação, o MPF argumenta que a terra indígena Uru Eu Wau Wau é área de conservação da fauna da região, abrigando a maioria de espécies nativas de mamíferos de médio e grande porte, além de ter sítios pré-históricos com dezenas de cavernas e pinturas rupestres que nunca foram estudadas. Na área nasce a maioria dos principais rios que banham o estado de Rondônia, sendo detentora de grande biodiversidade em quantidade de espécies de fauna e flora.
Na terra indígena Rio Branco, seus povos já enfrentam problemas ambientais e deestruição de sítios arqueológicos que resultam em desmatamento e pesca ilegais, poluição das águas devido o uso de pesticidas irregulares e pressão fundiária dos grileiros. O MPF cita a terra indígena Massaco, habitada exclusivamente por índios isolados da etnia provável Sirionó.
Os índios Poruborá, que ainda não têm sua área demarcada, têm como principal ameaça o desmatamento. Por denunciarem os desmatadores ao Ibama, os índios estão sendo ameaçados de morte por fazendeiros.
Licenciamento ambiental
O MPF questiona o licenciamento ambiental e manifesta-se contra os atos praticados até o momento pelo DNIT, Ibama e Estado de Rondônia. O MPF afirma que o Ibama é legalmente o órgão responsável pelo licenciamento da obra de pavimentação, uma vez que o asfaltamento da BR-429 afeta várias áreas federais e reservas indígenas. Porém, o DNIT buscou aprovação do licenciamento por meio da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Ambiental (Sedam) e conseguiu as licenças prévias e de instalação necessárias à obra.
O procurador Daniel Fontenele destaca que os licenciamentos emitidos pela Sedam basearam-se em um plano de controle ambiental (PCA) e não houve o estudo de impacto ambiental (EIA), "apesar da relevância do empreendimento e do largo espectro de sua influência nos componentes etnoambientais da região em que está inserido".
A insuficiência técnica do PCA já foi objeto de uma ação civil pública ajuizada pelo MPF e pelo Ministério Público do Estado de Rondônia em que pedem antecipadamente a proibição de emissão de licenciamento enquanto não forem sanadas as irregularidades apontadas no licenciamento. Essa primeira ação ainda não teve manifestação da Justiça Federal. Enquanto isto, a pavimentação da BR-429 está em andamento.
O MPF pede a declaração da nulidade do licenciamento ambiental, condenação do DNIT a submeter o empreendimento ao crivo do Ibama, condicionando o reinício das obras ao atendimento prévio de medidas determinadas pelo órgão ambiental federal; condenação do DNIT a pagar pelos danos morais coletivos, em valor a ser estipulado pela Justiça, em razão de ter dado início às obras sem o devido suporte jurídico.
(Por Altino Machado, Blog da Amazônia / Amazonia.org.br, 01/10/2009)