A paisagem rural do Rio Grande do Sul passou por uma transformação. A cena típica do gaúcho a cavalo tocando o gado no campo perdeu espaço para o ronco de tratores e colheitadeiras nas lavouras, mostra a comparação do Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgado nesta quarta-feira (30/09), com o levantamento de 1995-1996.
O avanço dos grãos sobre a pecuária de corte é ilustrado pela perda de 2,3 milhões de hectares de pastagens nativas e queda de 2,1 milhões de cabeças de bovinos, retração de 15,4%, a maior do país. Na contramão, as lavouras temporárias se espalharam por mais 1,2 milhão de hectares, puxadas pela soja. A área da cultura cresceu 41%, para 3,4 milhões de hectares.
Segundo o analista de pecuária de corte da Safras & Mercado Paulo Molinari, a migração é explicada pela valorização maior dos grãos do que do boi em relação ao preço das terras. A pecuária tem ainda um ciclo longo, de pelo menos três anos, enquanto o das lavouras é de cerca de seis meses.
– No Estado, a situação da pecuária é pior porque não abriram novos frigoríficos, e o gado não tem padrão. A inexistência de uniformidade prejudica as exportações – diz Molinari, que aponta a região das Missões como uma das que a lavoura mais avançou.
O presidente da Federação da Agricultura (Farsul), Carlos Sperotto, vê na mudança uma alternativa ante a renda “não satisfatória” da pecuária.
– Mas já partimos para uma qualificação e padronização do rebanho. Isso se refletirá nos próximos anos – pondera Sperotto.
Para o diretor executivo do Sindicato da Indústria de Carnes do Estado, Zilmar Moussalle, o eucalipto também ganhou terreno da pecuária nos últimos anos. Ainda assim, a atividade leiteira teve em 2006 a maior produtividade do país, de 2.501 quilos ao ano por vaca.
O valor da produção da agropecuária gaúcha reforça a supremacia da lavoura. A cifra pulou de R$ 6,16 bilhões para R$ 16,4 bilhões. O número de tratores cresceu 2,7%, para 163.406 máquinas, e houve renovação da frota, diz o coordenador da pesquisa no Estado, Claudio Santanna. Em 1995-1996, apenas 13,3% tinham potência superior a cem cavalos (cv). Em 2006, eram 23,6%.
Do boi para o arroz
Quem vê as terras de Antonio Lúcio da Veiga Cabral Filho, 58 anos, sabe que se trata de um dos principais produtores de arroz em São Gabriel, na Fronteira Oeste. Mas não faz muito tempo que a realidade é essa. Entre 1993 e 1998, o produtor abandonou a pecuária para se dedicar à agricultura.
– Em 1993, com um terneiro eu pagava 1,3 funcionário. Em 1996, eu precisava três terneiros para custear um trabalhador – relata Cabral, que chegou a criar 2,4 mil cabeças.
Desde 2000, Cabral se dedica quase que totalmente ao arroz, cultivado em 510 hectares. Nos outros 460 hectares, planta soja ou arrenda terras. Atualmente, ainda arca com a compra de máquinas para dar vida à lavoura.
– Quando comecei no arroz, eu só tinha um tratorzinho – diz.
(Por Caio Cigana, colaboração de Alice Rodrigues, Francini Ledur e Ronan Dannenberg, Zero Hora, 01/10/2009)