Sob os apelos de empresários e cientistas, o governo brasileiro decidiu levar à reunião da cúpula sobre mudanças climáticas da ONU, em Copenhague (Dinamarca), uma proposta concreta de corte na chamada "curva" de emissões de gases causadores do efeito estufa. A "oferta" brasileira aos países industrializados será inverter, a partir de 2020, a curva ascendente das emissões nacionais com base na projeção de 2 toneladas a 2,2 toneladas anuais de dióxido de carbono (CO2) equivalente.
"Nossa ideia não é levar metas quantificadas absolutas, mas metas para reduzir o desmatamento e a intensidade das emissões de carbono, como a adoção de um 'aço verde', fabricado com madeira de reflorestamento, por exemplo", afirmou a secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Suzana Kahn Ribeiro. "Temos sido conservadores e cautelosos com números. Estamos atrás de 'desvios' factíveis nesta curva de emissões".
Em audiência pública na Comissão de Meio Ambiente da Câmara, a secretária defendeu "metas intermediárias ousadas" já para 2020, e não só para 2050, porque seria "mais fácil", segundo ela. "Precisamos saber o custo da mitigação e explorar oportunidades de negócios", disse. Mas colocou em dúvida os benefícios financeiros imediatos, como o mecanismo de Redução de Emissões para o Desmatamento e Degradação (Redd).
"A arquitetura financeira está muito aquém. Falta definição de como fazer o fluxo dos ricos para emergentes. Na contrapartida financeira, temos que dar satisfação e abrir para verificação externa. E para o Redd não tem tanto dinheiro lá fora. É uma sensação equivocada", afirmou Suzana.
Em resposta aos questionamentos de parlamentares, a secretária cobrou a adoção de metas de redução das emissões dos países desenvolvidos. "Eles devem reduzir entre 25% e 40% e os países em desenvolvimento adotariam políticas para reduzir desmatamento, por exemplo". Vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a secretária admitiu que uma proposta mais robusta do governo é "questão de sobrevivência" para as empresas nacionais, que temeriam "perder a vantagem" de oferecer produtos feitos com baixas emissões de carbono. "Mas queremos uma transição suave", disse.
Suzana fez, ainda, um apelo pela aprovação, no Congresso, do fundo que garantiria a destinação de 10% dos royalties do petróleo em ações de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas no Brasil. O projeto de lei está parado na Câmara desde junho de 2008. "Ficaríamos bem na foto em Copenhague se tivéssemos esse fundo. Seria a demonstração do uso de meios internos e de uma proposta original", afirmou aos deputados presentes.
A secretária defendeu, ainda, a adoção de metas de concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, uma iniciativa da União Europeia. Os europeus querem fixar um limite de 450 partes por milhão em volume equivalente (ppm) de CO2 até o fim deste século. Hoje, esse concentração já atinge 380 ppm, segundo Suzana. "Sem isso, ficaríamos sem uma referência, sem saber o quanto ainda se pode avançar", afirmou. Mas há divergências internas no governo. O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) argumenta que essa meta traria constrangimentos ao Brasil, já que 80% da concentração adicional permitida seria dos países ricos.
"O Brasil teria que disputar 20% com todos os demais países", afirmou o coordenador de Mudanças Climáticas do MCT, Adriano Santhiago de Oliveira. Os países emergentes teriam 24 ppm das 70 ppm adicionais, segundo ele. "E teríamos que dividir com China e Índia, que ficariam com a maior parte disso. É duvidoso aceitar isso, porque a meta pode cair a 350 partes por milhão no futuro". O coordenador defendeu, ainda, o limite máximo de 2º Celsius de elevação da temperatura global nos próximos cem anos - divididos em 0,2º Celsius a cada década. "É algo razoável, aceito pelo Itamaraty", afirmou Santhiago.
(Por Mauro Zanatta, Valor Econômico, 30/09/2009)