Parlamentares da Comissão de Agricultura da Câmara apontam uma disputa empresarial como pretexto para a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de banir 14 ingredientes ativos usados na fabricação de agrotóxicos no país. A Anvisa defende a posição como uma revisão científica de rotina dos dados toxicológicos desses ingredientes. Mas o lobby dos produtores rurais entrou em campo para questionar a consulta pública aberta pelo governo para revisar a concessão de registro a esses ingredientes.
"O que está por trás disso é um interesse econômico. Querem nos empurrar produtos mais caros para ganhar nas costas do produtor", disse o deputado Luis Carlos Heinze (PP-RS) durante audiência pública para debater o eventual banimento desses produtos. "O que está em jogo, na verdade, é a saúde de todos nós", rebateu o deputado Nazareno Fontelles (PT-PI).
Sob os olhares de uma atenta plateia de empresários e dirigentes do setor de agrotóxicos, os deputados debateram a proibição de um ingrediente específico, usado nas culturas da soja, cana-de-açúcar, algodão, café e cacau. O endossulfan, cujas vendas no país somam US$ 150 milhões anuais, teve recomendação de banimento de uso em todo o país pela Anvisa. O produto ofereceria "graves danos à saúde" e "alta toxicidade aguda", segundo a agência. A União Europeia já baniu o produto, assim como Argentina e vários países africanos.
Mesmo assim, tem um forte lobby em sua defesa. Sem a proteção de patente industrial, e com 11 registros no país, o endossulfan é fabricado aqui por quatro empresas: as brasileiras Servatis (ex-Cyanamid) e Fersol, a alemã DVA e a subsidiária israelense Milenia. Nesta terça (29/09), representantes da indústria química da Índia (Indian Chemical Council e Excel CropCare) e dos Estados Unidos (Velsicol Chemical) estiveram na reunião no Congresso.
Os deputados ruralistas informaram que o banimento do endossulfan beneficiará diretamente os produtos a base de thiametoxan, fabricados no país sob patente pela multinacional Syngenta. "É um jogo de interesses", disse o deputado Marcos Montes (DEM-MG). O ingrediente da Syngenta seria, segundo informações da comissão, até 264% mais caros do que o endossulfan. "Estão querendo que o produtor pague mais caro, que aumente ainda mais seus custos de produção. Mas em troca de quê, eu pergunto", afirmou o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR).
Com as divergências e pressões empresariais, a Comissão de Agricultura decidiu realizar uma audiência pública com os ministros Reinhold Stephanes (Agricultura), Carlos Minc (Meio Ambiente) e José Gomes Temporão (Saúde) para debater os processos de revisão de dados e recomendação de proibição de uso dos 14 ingredientes ativos de agrotóxicos no Brasil.
(Por Mauro Zanatta, Valor Econômico, 30/09/2009)