Índios receberão R$ 5 por cabeça de gado; previsão é que não índios criem 20 mil bois. Críticos consideram medida ilegal e veem possibilidade de apropriação da terra por criadores; procurador alega falta de opção econômica
Um acordo firmado há duas semanas passou a permitir que não índios criem bois dentro da terra indígena da Ilha do Bananal (TO) mediante pagamento para os líderes das tribos. Criticado por especialistas, o acordo foi elaborado pelo Ministério Público Federal, que desistiu da ideia de banir a criação de gado no local -defendida até o ano passado. Em 2008, a Justiça Federal determinou a retirada de mais de 100 mil cabeças que eram mantidas por não índios no local por meio de negociações informais com líderes indígenas. De acordo com o Ministério Público Federal, sem o dinheiro, houve "carência econômica e alimentar" nas comunidades indígenas do área.
A ilha é considerada a maior fluvial do mundo, com área equivalente a 3,5 vezes a do Distrito Federal. Cerca de 75% do local é terra indígena -o restante é área de preservação. Lá vivem 3.500 índios. O plano prevê até 20 mil cabeças de gado na terra indígena. Os índios devem receber como adiantamento R$ 5 por animal. O dinheiro será administrado pela associação Conselho da Etnia Javaé.
Cada criador de gado terá direito a ter um vaqueiro não índio trabalhando dentro da terra indígena. Os índios, porém, também vão ter que participar do manejo dos bois. "O próprio índio vai cuidar do gado", afirmou o líder javaé Vanderson Suará. Ele diz que até as festas tiveram que ser reduzidas por falta de dinheiro provocada pelo fim dos acordos informais. "O cacique alugava um carro para fazer compras na cidade. Quando o gado saiu, não teve mais", disse Suará.
O procurador da República Álvaro Manzano diz que buscou alternativas econômicas para os índios da ilha, como financiamento de bancos e programas do governo federal, que não se mostraram viáveis. Para ele, os índios da ilha "não estão transferindo a posse da terra para um estranho" porque vão ajudar a criar o gado. O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) é contrário ao acordo. Para a conselheira Sara Sanchez, a medida constitui um "arrendamento" de terra, o que é inconstitucional. Sara Sanchez considera que os não índios podem tentar se apropriar das áreas e afetar negativamente a forma de viver e a cultura das tribos.
O professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Paulo Santilli, que trabalhou na identificação de terras indígenas na Funai (Fundação Nacional do Índio), também questiona a legalidade do acordo e afirma que ele deve ser derrubado por se tratar de um tipo de arrendamento. A regional da Funai no Tocantins participou da elaboração da parceria. Procurada pela Folha, a direção da fundação em Brasília não se manifestou sobre o assunto.
(Por Felipe Bächtold, Folha de S. Paulo, 28/09/2009)