Jennifer Hall-Massey sabe que não deve tomar a água que sai das torneiras em sua casa, nas proximidades de Charleston, Estado americano da Virgínia Ocidental. Na verdade, sua família inteira procura evitar qualquer contato com a água. Seu filho menor traz em seus braços, pernas e peito crostas de feridas dolorosas provocadas pela água do banho poluída com chumbo, níquel e outros metais pesados. Muitos dos dentes de seu irmão já foram recapeados para substituir o esmalte corroído pelo contato com a água.
Os vizinhos de Hall-Massey aplicam loções especiais ao corpo após o banho, para aliviar a sensação de queimadura na pele. Exames revelam que a água que sai de suas torneiras contém arsênico, bário, chumbo, manganês e outras substâncias químicas, em concentrações que, segundo reguladores federais, podem contribuir para provocar câncer e prejudicar os rins e o sistema nervoso.
"Como é possível que tenhamos internet e TV a cabo digital em casa, mas não tenhamos acesso a água limpa?", disse Hall-Massey, que é contadora. "Como é que isso pode acontecer hoje em dia?" Quando ela e 264 de seus vizinhos processaram nove empresas de carvão das redondezas, acusando-as de jogar resíduos perigosos na água, seu advogado não precisou ir longe para buscar provas. Conforme o exigido pelas leis do Estado, algumas das empresas tinham divulgado em relatórios que estavam injetando concentrações ilegais de substâncias químicas no solo. São os mesmos poluentes que saem das torneiras dos moradores da cidade.
Mas os organismos reguladores estaduais nunca multaram ou puniram as empresas por desobedecer às leis sobre a poluição. O fenômeno não é restrito à Virgínia Ocidental. Há quase quatro décadas, o Congresso dos EUA aprovou a Lei da Água Limpa, que obriga os poluidores a divulgar as toxinas que despejam nas vias hídricas e para dar aos reguladores o poder de multar ou encarcerar os infratores. Diferentes Estados americanos aprovaram seus próprios estatutos da poluição. Nos últimos anos, porém, as violações da Lei da Água Limpa vêm aumentando em todo o país, constatou o "New York Times".
Nos últimos cinco anos, fábricas químicas, plantas manufatureiras e outros locais de trabalho cometeram mais de meio milhão de infrações das leis sobre a poluição das águas. E a grande maioria escapou impune. Autoridades estaduais têm ignorado casos de despejo ilegal de substâncias poluentes, e a Agência de Proteção Ambiental do país (EPA), que pode processar poluidores nas situações em que os Estados se omitem, em muitos casos tem se negado a intervir.
Como a maior parte da poluição não tem odor ou sabor, muitas pessoas que consomem substâncias químicas perigosas não têm consciência do fato, dizem pesquisadores, mesmo depois de adoecerem. Um estudo publicado pelo periódico "Reviews of Environmental Contamination and Toxicology" revelou que estimados 19,5 milhões de americanos por ano adoecem por consumir água contaminada por parasitas, bactérias e vírus. Essa cifra não abrange doenças provocadas por outras substâncias químicas e toxinas.
Nos Estados que são os maiores produtores de laticínios, como Wisconsin e Califórnia, agricultores pulverizaram fezes animais liquefeitas sobre campos. Os resíduos infiltraram poços, causando infecções graves. A água de torneira encontrada em partes do chamado cinturão agrícola, incluindo cidades de Illinois, Kansas, Missouri e Indiana, já apresentou pesticidas em concentrações que alguns cientistas vinculam a defeitos congênitos e problemas de fertilidade.
Alguns das substâncias contaminadoras mais frequentemente detectadas já foram vinculadas a câncer, defeitos congênitos e desordens neurológicas. No entanto, menos de 3% das violações da Lei da Água Limpa resultaram até agora na aplicação de multas ou outras punições. E em vários momentos a EPA se negou a processar os poluidores ou obrigar os Estados a reforçar o policiamento, ameaçando suspender o repasse de verbas federais ou revogar poderes delegados a autoridades estaduais.
Certa noite, o filho de seis anos de Jennifer Hall-Massey, Clay, pediu para brincar na banheira. Quando saiu dela, partes de seu corpo estavam vermelhas e irritadas, doendo tanto que ele não conseguiu dormir. Hall-Massey apresentou queixas às autoridades estaduais. Elas lhe disseram que não sabiam por que sua água estava tão poluída, mas que duvidavam que as empresas de carvão tivessem feito algo de errado. A família pôs a casa à venda, mas, devido à água poluída, nenhum comprador se interessou pelo imóvel.
Em dezembro, ela e seus vizinhos abriram um processo no tribunal do condado, pedindo indenização. O processo ainda não foi a julgamento. A maioria dos moradores ainda usa água poluída para tomar banho e lavar a louça. "O trabalho mais importante dos pais é proteger os filhos", disse Hall-Massey. "Mas onde estava o governo quando precisamos dele para nos proteger contra essa sujeira?"
(Por Charles Duhigg, The New York Times / Folha de S. Paulo, 28/09/2009)