É improvável que alguém que já esteve na capital do Egito tenha comentado como as ruas da cidade são limpas. Mas essa metrópole cheia de dejetos hoje enfrenta um problema de lixo tão grave que conseguiu incitar seus cansados moradores e atrair a atenção do ditador do país. "O problema está evidente nas ruas", disse Haitham Kamal, porta-voz do Ministério de Assuntos Ambientais. "Existe um esforço intensivo do Estado para abordar essa questão."
Mas a crise não deve ter causado surpresa. Quando o governo matou todos os porcos do Egito, no semestre passado -no que os especialistas em saúde pública consideram uma tentativa equivocada de combater a gripe suína-, foi advertido de que a cidade ficaria coberta de lixo. Os porcos costumavam comer toneladas de dejetos orgânicos. Atualmente, eles desapareceram, e alimentos estragados se amontoam nas ruas de bairros de classe média como Heliopolis e nas ruas pobres de comunidades como Imbaba.
Ramadan Hediya, 35, que faz entregas para um supermercado, vive em Madinat el Salam, uma comunidade de baixa renda na periferia do Cairo. "Toda a área é um lixo", disse Hediya. "Todos os caminhos estão cheios de dejetos. Quando você abre a janela para respirar, vê montes de sujeira espalhados pelo chão."
A situação expôs os erros de um governo cujo poder se concentra no topo, cujas decisões muitas vezes são tomadas com pouca consideração pelas consequências e onde o acompanhamento muitas vezes não existe, segundo comentaristas sociais e autoridades. "O principal problema no Egito é o acompanhamento", disse Sabir Abdel Aziz Galal, chefe do Departamento de Doenças Infecciosas do Ministério da Agricultura. "Uma decisão é tomada, existe um acompanhamento durante algum tempo, mas depois eles [o governo] se ocupam de outra coisa e se esquecem da primeira. Isso acontece com tudo."
Falando de maneira geral, existem dois sistemas para receber serviços no Egito: o sistema do governo e o sistema do "faça você mesmo". A coleta de lixo no Cairo pertencia ao setor informal. O governo contratou companhias multinacionais para coletar lixo, e estas decidiram colocar latões pela cidade. Mas não compreenderam o costume da comunidade. As pessoas não levam seu lixo para fora. Estão habituadas a que alguém o recolha na porta.
Durante mais de meio século, esses coletores foram os zabaleen, uma comunidade de cristãos egípcios que vive nos penhascos na periferia leste do Cairo. Eles recolhiam o lixo, vendiam os recicláveis e davam os dejetos orgânicos para seus porcos -que depois matavam e comiam.
Matar todos os porcos de uma vez "foi a coisa mais idiota que eles já fizeram", disse a líder comunitária Laila Iskandar Kamel. "Este é apenas mais um exemplo de tomadores de decisão mal informados." Quando a gripe suína apareceu, muito antes de ter sido relatado um caso no Egito, o ditador Hosni Mubarak ordenou que todos os porcos fossem abatidos para evitar a disseminação da doença.
Hoje, as ruas da comunidade zabaleen estão lotadas de lixo malcheiroso e cobertas de moscas como nunca antes. "Eles mataram os porcos, que limpem a cidade", disse Moussa Rateb, ex-coletor de lixo e dono de porcos que vive na comunidade zabaleen. "Tudo isso iria para os porcos. Hoje não há porcos, então vai para o governo."
(Por Michael Slackman, The New York Times / Folha de S. Paulo, 28/09/2009)