Na abertura de um seminário sobre mudança climática há alguns dias, em São Paulo, Francisco Graziano disparou: "Fala-se muito na Amazônia e pouco do resto. E nós?". E seguiu: "Apenas recentemente o Ministério do Meio Ambiente se preocupa com a área do clima. É preciso dizer que o MMA criou um setor específico para tratar disto quando a ex-ministra Marina Silva já tinha saído." O secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo seguiu nesta toada e chegou ao pré-sal: "Só se conseguiu colocar alguma questão ambiental no final do processo, e talvez tenha acontecido apenas diante da ameaça política da ex-ministra Marina Silva."
Emendou com mais uma farpa dizendo que a "atual gestão" no MMA avançou mais na agenda da mudança climática do que a dela. A cutucada de Graziano à senadora Marina Silva, pré-candidata à Presidência em 2010, é sinal do quanto esta possibilidade já incomoda.
O PSDB, que já foi tido como beneficiário da candidatura Marina, mostrou que, ao contrário, entrou na arena para brigar. Até então, a saída da senadora do PT havia sido recebida com surpresa e sua eventual campanha, como um fato novo numa eleição previsível, modorrenta e plebiscitária. Quando Marina Silva ainda decidia, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, manifestou-se com cortesia e disse lamentar a saída da colega do partido, com quem teve fortes diferenças no passado. Marina reagiu igualmente com elegância.
O discurso de Graziano quebrou esta aura de gentilezas. Ele atacou o governo federal - "O pré-sal é um problema ambiental fantástico" - enquanto enfileirava os "avanços ambientais" da metrópole que emergia do caos causado pelas enchentes da chuva histórica. Seguiu a cartilha da luta política: citou o projeto de lei sobre mudança climática que tramita há um tempão na Assembleia Legislativa e omitiu as gestões de Marina para criar um mecanismo de manutenção da floresta em pé, com incentivos voluntários de países desenvolvidos, que originou o Fundo Amazônia.
O Planalto também tem esboçado reação. Nos últimos dias o governo Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu finalmente soltar o atrasado zoneamento da cana-de-açúcar. Outro ponto é o recente confronto com os ruralistas, pela primeira vez neste mandato, no debate do índice de produtividade agrícola. Na questão climática, o discurso presidencial transitou do encontro com os governadores da Amazônia à Assembleia das Nações Unidas.
A construção da candidatura Marina Silva, por seu turno, começa a ter alicerces. Enquanto um grupo de 21 pessoas age dentro da refundação do Partido Verde, da criação de um programa mais consistente e na sintonia fina de seus quadros, a opção mais verde de 2010 começa a ser montada. Uma corrente defende, por exemplo, que o vice seja um nome do empresariado - Guilherme Leal, da Natura, próximo à Marina desde 2004, é uma opção natural.
Mas a sinalização não se limita à simpatia do grupo das empresas de sempre, a turma com tradição no discurso da sustentabilidade - a alternativa seduz grandes conglomerados e entidades empresariais de classe. A mensagem desta possível aliança é derrubar o estigma que Marina Silva seria contra o desenvolvimento, como poderia ter ficado carimbado nos seus embates com os ministérios da Energia, Agricultura e Casa Civil à época do MMA.
A senadora tem em mãos uma pesquisa qualitativa feita com formadores de opinião e que lista os pontos fracos de sua eventual candidatura - discurso monotemático, falta de experiência em governar, fama de trava-obras. De um jornalista ela escutou que tem que abrir o discurso porque um candidato a presidente deve ter propostas para a saúde, a Previdência, a economia. Marina Silva costuma emocionar suas audiências quando se manifesta de improviso e sua fala, ao mesmo tempo articulada e espontânea, revela a personalidade carismática. Mas o discurso metafórico tem o desafio de alcançar gente que não a conhece e não entende nada da visão ecológica do mundo.
Um analista político disse à senadora que hoje ela conta com a adesão ética de eleitores desiludidos com outros candidatos e que depositariam nela um voto que tem valores como base. Mas isso hoje, a anos-luz da eleição - e este tipo de escolha, um "voto afetivo", não elege ninguém, avisou o cientista político. De um amigo ambientalista Marina Silva recolheu uma observação preciosa e uma provocação. Ele disse que é muito possível que ela consiga um terceiro lugar honesto e vitorioso, com 10 milhões de votos. "Mas se você saltar para o segundo turno, aí ninguém te segura", ponderou. "Este é o desafio da tua candidatura. Mas o risco de uma eleição é ganhar", prosseguiu. "E no dia seguinte, você tem que governar o Brasil. Está preparada para isso?"
O próximo passo para que esta candidatura se viabilize é a montagem de uma estratégia para atrair bons nomes de candidatos a governadores e senadores. É preciso compensar a desvantagem de ter pouco tempo na TV. Este ponto crucial é datado - em 30 de outubro termina o prazo legal para filiação aos partidos.
Nos próximos dias o nome de Marina Silva pode surgir sustentado por um tripé. De um lado o PV, de outro algo novo: empresários, ambientalistas e até representantes de povos indígenas vêm se articulando em torno do Movimento Brasil Sustentável, que deve ser lançado em outubro. É possível, ainda, que se forme um instituto para dar estrutura à campanha. São os pequenos passos para pavimentar a possível candidatura em 2010.
(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico, 25/09/2009)