Referência no turismo pantaneiro, o Refúgio Ecológico Caiman, do empresário paulista Roberto Klabin, decidiu mudar de estratégia após 20 anos de funcionamento: vai abrir as portas somente entre os meses de julho e setembro. No resto do ano receberá somente grupos fechados.
Os serviços também serão diferentes entre um período e outro. Nos meses em que estarão abertas, as duas pousadas da Caiman terão programação de atividades e itens como a alimentação fixos e válidos para todos os hóspedes. Nos demais, será "sob medida". O objetivo é cortar custos fixos para compensar a baixa demanda, um problema que atinge também outros empreendimentos do turismo ecológico no país. "Viver do turismo hoje não dá. O Refúgio ainda é muito mais um projeto de satisfação pessoal do que um negócio", afirma Klabin, herdeiro da família de mesmo nome e fundador da organização ambiental SOS Mata Atlântica, uma das pioneiras no país.
O Refúgio no Mato Grosso do Sul é um exemplo perfeito do chamado setor de "ecoturismo". Conta com apenas 14 quartos e uma área verde de 5,3 mil hectares onde são desenvolvidos projetos de preservação da arara azul, onça-pintada e do papagaio-verdadeiro, animais ícones do Pantanal brasileiro. Além disso, utiliza mão de obra local, de forma a gerar benefícios econômicos à comunidade, e oferece guias especializados. O único problema é que não se sustenta.
Frequentado em sua grande maioria por visitantes estrangeiros, Caiman sentiu o enfraquecimento do fluxo de turistas com a crise econômica, que atingiu em cheio Estados Unidos e Europa.
Mas há outras causas menos pontuais e mais preocupantes. A dificuldade de acesso a serviços médicos com rapidez e a baixa frequência de serviços aéreos adequados são dois deles, tornando o destino pouco competitivo frente a outras localidades. A inexistência de roteiros que integrem diferentes áreas e empreendimentos turísticos também torna a visita ao Pantanal mais difícil. Some-se a isso uma divulgação ainda bastante falha e preços entre 30% e 40% mais altos se comparados com o turismo de massa, e o caldo está pronto.
Os gargalos enfrentados pelo Refúgio, no entanto, não estão isolados a essa parte do país. Regiões mais próximas de centros urbanos, mas com problemas logísticos semelhantes, também sentem a ausência do turismo.
Há mais de uma década, o complexo estuarino de Lagamar, formado por Iguape, Cananeia e Ilha Comprida, no litoral sul paulista, tenta "decolar" como novo destino de ecoturismo no país. Além da arquitetura colonial riquíssima, a região é tombada pela Unesco como patrimônio natural. E tal como no Pantanal, possui uma enorme importância ecológica: ali resta o maior remanescente de cobertura contínua da Mata Atlântica. No Brasil inteiro, só 7% da mata estão em pé.
"O Lagamar é quase micado. O mesmo fator que o preservou agora impede que as pessoas cheguem lá", explica Mário Mantovani, da SOS Mata Atlântica. "Enquanto a BR-116 não for duplicada, a região não vai crescer." Os especialistas são unânimes: sem o comprometimento do governo o Brasil continuará a ser um "país do futuro" também no setor de turismo. Distante, por exemplo, da também emergente África do Sul, referência quando o assunto são parques nacionais.
A situação mais crítica no Brasil - e que independe da iniciativa privada - está justamente na gestão das unidades de conservação, sejam elas estaduais ou federais. Faltam planos de manejo, dinheiro e sobretudo política pública. Os poucos dados disponíveis revelam o fosso que existe no setor: somente três milhões de turistas visitaram os parques brasileiros em 2007; no mesmo período, 194 milhões passearam pelos parques americanos. Uma fração do que poderia ser absorvido e do fluxo total de turistas no país, de quase 50 milhões.
"É um atraso histórico. Nossos parques não têm estrutura de visitação, sinalização de trilhas, banheiros. Nos Estados Unidos, essa estruturação começou no século passado", diz o diretor da Ambiental Expedições, Israel Waligora, sediada em São Paulo.
Itatiaia, no Rio de Janeiro, continua sendo um caso emblemático. Primeiro parque nacional criado no país, em 1936, no governo Getúlio Vargas, sofre hoje com o descaso público. "Está totalmente abandonado", acrescenta Edgard Werblowsky, fundador da Freeway Turismo. Por todas essas razões, potenciais destinos, como a Amazônia, ainda passam ao largo da preferência dos brasileiros. Na hora das férias, o fiel da balança acaba pendendo para Europa ou EUA.
"Culturalmente, o brasileiro não é um povo do mato. Todo o movimento histórico do Brasil está centrado nas cidades", diz Jean-Claude Razer, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura (Abeta). "Só agora começamos a ver uma redescoberta do interior", explica, atribuindo esse movimento recente à violência nos centros urbanos e às mudanças climáticas, que chamaram a atenção para a natureza.
Para os especialistas, porém, não há razão para pessimismo. Mesmo com a pouca atuação governamental, o ecoturismo é um "caminho sem volta". Prova disso é a expansão no número de destinos (ao menos 15) e operadoras de ecoturismo e turismo de aventura. Segundo dados da Abeta, há hoje duas mil delas, com faturamento de R$ 400 milhões.
Outro dado positivo foi a criação do Ministério do Turismo, em 2003, uma iniciativa que deu nova projeção ao setor. "Antes o turismo ficava pendurado em outra pasta", lembra Waligora, da Ambiental. "Isso foi um marco".
(Por Bettina Barros e Roberta Campassi, Valor Econômico, 25/09/2009)