Durante a abertura da Clinton Global Initiative, que reúne chefes de Estado, organizações sociais e empresas para discutir problemas sociais e ambientais, o ex-presidente dos Estados Unidos que dá nome ao evento elogiou o etanol brasileiro, dizendo que o seu rendimento era maior do que aquele obtido com outras matérias-primas. E que, portanto, deve ser apoiado. Mas lembrou o fato da expansão das plantações de cana-de-açúcar estar empurrando a soja e o gado para novas áreas.
(Em outras palavras, em direção à Amazônia e ao Cerrado, contribuindo assim para o aumento do desmatamento, da expulsão de comunidades tradicionais, do trabalho escravo, enfim, aquilo que os leitores deste blog já estão cansados de ler.)
A dinâmica não é tão simples assim, mas a idéia do jogo de empurra é essa mesmo. O que ele disse não foi nenhuma novidade, uma vez que há anos alerta-se para isso aí no Brasil, mas pouco se faz a respeito. Agora, com o zoneamento da cana, talvez a história mude. A ver.
Os agrocombustíveis continuam a ser vedetes das rodas de discussão sobre o aquecimento global em qualquer lugar do mundo. Enquanto isso, poucos são os que lembram (ou querem lembrar…) de suas conseqüências negativas. Ngozi Okongo-Iweala, diretora do Banco Mundial, lembrou, durante o mesmo evento, que o crescimento de lavouras voltadas à produção de bioenergia está pressionando áreas de plantações de alimentos, encarecendo a comida. Isso ainda não se fez sentir com força no Brasil, mas gerou uma crise sem precedentes no México por conta da escassez do milho – base alimentar daquele país. O vizinho ao Norte, ou seja, os EUA, usam o grão para produzir etanol, então imagine o que a demanda não causa.
Para os defensores cegos do etanol, criticá-lo é como pecado – mesmo que seja uma crítica construtiva. Exemplo disso é a ameaça de estupro do governador do Mato Grosso do Sul contra o ministro do Meio Ambiente por este ser contra a plantação de cana em áreas que impactariam o Pantanal. Quando falo neste espaço da superexploração do trabalhador rural na cana, muita gente só falta vir me bater pessoalmente. Acusam-me de não ser patriota – mesmo que a elite brasileira use esse discurso apenas em causa própria. Como diria Macunaíma, preguiça…
Também fui ouvir a presidente da Argentina Cristina Kirchner falar. A parte interessante foi exatamente quando defendeu, em público, o aumento da participação da Organização Internacional do Trabalho nas discussões econômicas. Dar mais força ao Trabalho para contrabalancear o poder do Capital é defendido há tempos por muita gente boa. O problema é que esse processo é lento. O ideal seria que a OIT tivesse a mesma autoridade de condenar economicamente um país, autorizando retaliações, como faz a Organização Mundial do Comércio.
Provavelmente já tem gente se remexendo na frente da tela do computador ao ler este trecho, dizendo: pô, mas o jogo vai ser sujo, surgirão um monte de tentativas de erguer barreiras por conta de problemas sociais apenas com intuitos protecionistas. Sim, mas é um risco que teríamos que solucionar se quiséssemos limpar as cadeias produtivas da exploração do trabalho.
E eu iria além. Empresas não são Estados soberanos (apesar de algumas delas acharem e agirem como se fossem). Não podem ser atores do direito internacional da mesma forma que os países. Mas seria ótimo se a OIT pudesse condenar empresas nacionais e multinacionais por crimes contra o trabalhador, autorizando retaliação por parte dos países onde o delito aconteceu.
Bateria de frente, é claro, com o interesse de muita gente. Inclusive governos que se confundem e passam a agir como empresas. Ou por empresas. Hoje, aí no Brasil, aconteceu algo que me deixou em dúvida de que lado balcão está o presidente do Ibama Roberto Messias Franco. Segundo a assessoria de imprensa do 13º Congresso Brasileiro de Mineração, em Belo Horizonte (MG), ele citou um trecho de uma música de Tom Jobim e Vinícius de Moraes para elogiar as ações de sustentabilidade da mineradora Alcoa: “Se todos fossem iguais a você, que maravilha viver”…
Lembrar é viver: durante o Fórum Social Mundial, que aconteceu em Belém (PA), centenas de moradores de comunidades da região de Juruti ocuparam a rodovia estadual PA-192 que liga a cidade ao canteiro de obras montado pela multinacional Alcoa para o megaprojeto de extração de bauxita, matéria-prima do alumínio.
Segundo a Associação Comunitária da Região do Juruti Velho, 27 comunidades tradicionais já reconhecidas oficialmente vivem na área. Representantes dessas comunidades citaram reflexos problemáticos das obras como: alterações no Lago Grande de Juruti Velho que dificultaram a pesca e a navegação; a diminuição das coletas de frutos (castanhas, andirobas, bacabas etc.) por causa do corte de árvores nativas (que estão sendo enterradas); risco de acidentes na ferrovia que corta projetos de assentamento, entre outros. Para saber mais sobre esse imbrólio, inclusive com a resposta da Alcoa, clique aqui.
O presidente do Ibama bem que poderia convidar o pessoal de Juriti para declamar versinhos também. Os que conseguiram trabalho nas obras podem até topar (porque no Brasil, infelizmente, emprego aberto é visto como favor e fechamento de vagas como necessidade…) Aqueles outros milhares afetados pelos impactos certamente ficariam de boca fechada, sem dar um pio.
PS: Apenas fechando o assunto do post anterior, fico me perguntando até quando os políticos irão se acusar usando a orientação sexual como mote. Falam como se a homossexualidade fosse doença ou uma coisa ruim – o que ficou latente na fala-resposta de Carlos Minc a Puccinelli. O ministro perdeu uma boa chance no episódio de dar uma aula de cidadania ao truculento governador. Saiu arranhado também.
(Por Leonardo Sakamoto, Blog do Sakamoto, 24/09/2009)