A venda da fábrica de Guaíba e seu projeto de expansão industrial no Rio Grande do Sul pela Fibria, a empresa resultante da união entre Aracruz e Votorantim Celulose e Papel (VCP), vai permitir a criação em menos de cinco anos do segundo maior grupo mundial de produção de celulose de mercado, os chilenos da CMPC. O memorando de entendimentos assinado pelas duas empresas prevê a transferência de um dos ativos de maior potencial de crescimento da Fibria, que teve suas obras de expansão paralisadas por conta da crise econômica de 2008 e das dificuldades da Aracruz em operações financeiras com derivativos.
O valor do negócio, de US$ 1,43 bilhão, sujeito a ajustes finais, envolve uma fábrica de 450 mil toneladas de celulose por ano, uma linha de produção de papel de 60 mil toneladas por ano, terrenos de 212 mil hectares, incluindo arrendamento, além das licenças para a implantação de uma linha adicional de produção de celulose de 1,3 milhão de toneladas. A CMPC tem prazo de 90 dias para negociar com exclusividade o ativo. O banco Santander atua como assessor financeiro da CMPC.
Com a aquisição, a empresa chilena, controlada pela família Matte, deverá aumentar sua posição como produtor de celulose de mercado, dos quase 2 milhões de toneladas hoje para 2,5 milhões de toneladas. Quando o projeto de expansão de Guaíba estiver erguido, o que pode ocorrer até 2013, a companhia se tornará a segunda maior fabricante global de celulose, com 3,8 milhões de toneladas e acesso a um dos custos mais baixos de produção do mundo.
A CMPC ficará atrás apenas da Fibria. De quebra, a empresa chilena vai superar sua rival, a também chilena Arauco, hoje a segunda maior do setor e que produz cerca de 3,5 milhões por ano. Com a venda da fábrica de Guaíba, a Fibria verá sua capacidade de produção reduzida de 5,8 milhões para 5,3 milhões de toneladas. Mesmo assim, a empresa possui outros quatro projetos de crescimento que poderão dobrá-la de tamanho no médio prazo.
Em razão das limitações de espaço para elevar seus projetos de crescimento orgânico em seu país de origem, a CMPC tem crescido no exterior. Em abril, a fabricante adquiriu a Melhoramentos Papéis, por R$ 400 milhões, incluindo dívidas, fortalecendo sua posição no segmento brasileiro de papel higiênico, lenços de papel e guardanapos. O negócio envolveu as fábricas de papel de Mogi das Cruzes e de Caieiras, ambas em São Paulo. Até então, a CMPC importava produtos com a marca Dualette.
Criada como a maior e a mais competitiva fabricante de celulose do mundo, controlada por um grupo privado nacional (a Votorantim tem 29,3% do capital) e com um aporte de R$ 2,4 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), maior acionista, com 34,9% do capital, a Fibria conseguirá, com a venda do ativo, reduzir seu endividamento de curto prazo. Nas contas dos analistas, a relação entre dívida líquida e Ebitda, medida de geração de caixa, deve cair de 4,1 vezes para 3,1 vezes em 2010 com a alienação da fábrica. A dívida líquida encerrou junho em R$ 13,4 bilhões, boa parcela referente as obrigações contraídas pela Aracruz, com Ebitda de R$ 1,8 bilhão.
Os executivos da Fibria já tinham dito publicamente que o acordo de renegociação da dívida com os bancos credores da Aracruz daria sustento à empresa nos próximos anos apesar do sufoco financeiro de curto prazo. Eles já tinham comentado também o interesse na venda de ativos não-estratégicos. Mas segundo apurou o Valor, a oferta recebida dos chilenos surpreendeu o grupo, que decidiu alienar o ativo. Procurados, Fibria, CMPC e BNDES não comentaram o assunto.
"O valor [do negócio de US$ 1,43 bilhão] nos parece razoável, considerando que a Fibria não iria conseguir dar seguimento à expansão de Guaíba tão cedo", diz relatório da corretora Link. "Neste momento, a notícia é positiva, pois resolve o problema de curto prazo da companhia, porém a longo prazo ela está sendo penalizada."
Segundo o analista Marcos Assumpção, da corretora Itaú, a venda injetará liquidez na empresa, mas não faz sentido estratégico por três motivos: traz um novo competidor para o "quintal" da Fibria, aumenta a competição por terras no Sul do Brasil e sacrifica o projeto de maior potencial de crescimento da empresa. Faria mais sentido à Fibria, segundo o analista em seu relatório, vender ativos fora de sua atividade principal, como a produção de papel, ou uma emitir ações para reduzir sua dívida.
Na visão do ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, o governo poderia ter estimulado um grupo privado nacional a adquirir a fábrica de Guaíba. "A Suzano ou a Klabin poderiam ter comprado a unidade. Defendo que todos os negócios de base florestal estejam nas mãos do capital privado nacional", afirmou. Para Lessa, o BNDES ajudou a salvar o grupo Votorantim quando injetou dinheiro para a consolidação da VCP com a Aracruz. No entanto, Lessa afirma que, com o movimento de venda do ativo, o socorro parece ter sido insuficiente.
(Por André Vieira, Valor Econômico, 24/09/2009)