Em clima de hostilidade desde o início do governo Lula, dirigentes ambientalistas e ruralistas esboçaram nesta terça (22/09) uma aproximação política que pode resultar em uma proposta consensual de alteração do Código Florestal Brasileiro, em vigor desde 1965. Expoentes das partes em litígio "fumaram o cachimbo da paz", como definiu o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), durante seminário promovido pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) sobre meio ambiente e produção de alimentos.
A presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), lançou a proposta de revisão do Código Florestal por meio de um "pacto nacional com sanção social", baseado em conhecimento científico e dados econômicos e sociais. "Cometemos erros, mas não intencionais. O Brasil tem 56% de cobertura vegetal nativa original e o debate chegou a tempo de salvar o ambiente", afirmou.
O acordo proposto pela CNA deveria conter um compromisso de "desmatamento zero" da floresta Amazônica, da Mata Atlântica, do Pantanal, das áreas de preservação permanente (APPs) e regiões "sensíveis" de topos de morro. Além disso, deve incluir o pagamento por serviços ambientais por "450 milhões de hectares preservados", a legalização das áreas de agropecuária consolidadas e a descentralização da legislação ambiental da União para os Estados.
À vontade diante da plateia de estudantes e dirigentes rurais, Gabeira acenou com a abertura de um diálogo mais concreto com a bancada ruralista. "Aceitamos a ciência para mediar, porque [fixar] 80% como reserva legal na Amazônia é metafísica. Mas o debate sobre rastreamento do gado e uso da água são fundamentais (...) Se não der, vamos para a luta política".
Braço direito da ex-ministra Marina Silva, o ambientalista João Paulo Capobianco defendeu um amplo consenso sobre o tema. "Os ambientalistas sabem que é preciso um acordo. Ninguém quer acabar com a agricultura. Temos que eliminar o desmatamento e recuperar o que for possível". Capobianco concebeu o pacote de arrocho ambiental ao setor rural, que culminou com a publicação de um decreto de crimes ambientais pelo atual ministro Carlos Minc, no fim de 2008. "É ridícula essa separação entre ambientalistas e ruralistas. O acordo não saiu porque algumas lideranças do agronegócio acharam pouco. E esse Código não é fruto do movimento ambientalista".
Mesmo em clima amistoso, Kátia Abreu aproveitou o seminário para rebater ao que considera ataques de ONGs ambientalistas. "Estou cansada de ´prêmio motosserra´, cansada de deboches. Acusações recíprocas não são boas. Temos que agir sem violência, raiva nem rancor", afirmou, em clara referência ao Greenpeace. "Os produtores reagem porque foram provocados por ONGs que os colocam no canto do ringue".
Produtor e consultor, o ex-ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli, disse que a tensão entre os dois lados tem levado experiências importantes, como a integração lavoura-pecuária-florestas, a ficar "no pelourinho". Para o mediador dos debates, o ex-ministro Roberto Brant, a CNA tem dificuldades para dialogar com todos os segmentos do setor, mas apelou por uma "conservação compatível" com a produção agropecuária.
(Por Mauro Zanatta, Valor Econômico, 23/09/2009)