Brasil desenvolve cidades que são verdadeiros aleijões urbanos. Na cidade de São Paulo há áreas onde têm mais helipontos do que paradas de ônibus. Helipontos, como se sabe, são locais nos topos dos edifícios onde é possível pousar de helicóptero.
Como se não bastasse o rodoviarismo hipertrofiado, agora temos que lidar com outras deformações resultantes da falta de Estado no Brasil. Vejam essa manchete do jornal Folha de São Paulo de dias atrás: "Região da rua Funchal [que fica na Vila Olímpia] tem mais helipontos que pontos de ônibus". A reportagem consulta um "especialista" e este diz o óbvio tautológico, que "há falta de planejamento urbano no país". Bela explicação!
Não há falta de planejamento. Há falta de aplicação do planejamento existente, desconsideração para com o papel do Estado na regulação e arbitragem do modo de desenvolvimento e ocupação urbana. O capital especulativo imobiliário faz o que bem entende e não há Estado (as três esferas do Poder Executivo) para colocar limites e ordenamentos que preservem o interesse geral das populações. Prevalece sempre o interesse dos endinheirados, mesmo que seja contra as normas ambientais, contra os Planos Diretores já existentes, a convivência harmônica das comunidades e o futuro das cidades.
O governo do presidente Lula tem guardado no Ministério das Cidades o Estatudo das Cidades. Está lá engavetado, apesar de ter sido publicado e valha como lei. Mas como lei nascida morta. Porque não há a menor preocupação com a aplicação daquelas orientações e exigências para um bom planejamento urbano das cidades brasileiras.
A mixórdia continua e prospera, como se não tivessemos estatuto urbano algum. Recentemente, em março último, foi lançado o pacote habitacional Minha Casa, Minha Vida. O programa pode ter intenções meritórias - e têm mesmo - mas continua ignorando o básico do básico do que deveria ser um regime de planejamento urbano e de desenvolvimento sustentável no Brasil. Não há observância aos Planos Diretores das grandes regiões metropolitanas brasileiras, não há diretivas sobre o transporte urbano de massa, há omissões sobre o automóvel nas médias e grandes cidades, há omissão sobre o planejamento ambiental urbano etc.
A situação é séria e - no andar dos helicópteros - tende a piorar muito mais. Enquanto isso, os endinheirados buscam a saída nos helipontos e nas soluções individuais - provisórias. Hoje no Brasil, as cidades estão loteadas para três grandes xerifes: o automóvel, o baronato imobiliário [especulação imobiliária] e o tráfico de drogas. O Estado apenas se adequa à realidade contingente e os agentes públicos recebem o pedágio que lhes cabe neste latifúndio. O Dr. Lula não mexeu um milímetro nisso tudo, ao contrário: fez um pactoe habitacional que cai como uma luva para os três estados e ainda dá uma mega ajuda aos barões do cimento.
Pensem nisso, enquanto eu me despeço.
Até mais!
(Por Cristóvão Feil, Agência Chasque, 22/09/2009)
* Cristóvão Feil é sociólogo e editor do blog Diário Gauche