Enquanto a Inspeção Técnica Veicular (ITV) não é aprovada pela Câmara dos Deputados e a formulação de um programa de reciclagem de veículos pelo governo federal segue em discussão, a iniciativa privada vem gradativamente aumentando os volumes de reaproveitamento de carcaças, sobretudo no que diz respeito ao aço, pneus, baterias e vidros. E a novidade em termos de reciclagem agora vem das seguradoras que atuam no mercado de veículos. No curto prazo, a Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg) prepara-se para ampliar a parceria com a Gerdau, até então restrita aos veículos que tiveram perda total por motivos de incêndio.
De acordo com o diretor da FenSeg, Neival Rodrigues Freitas, o projeto piloto da entidade com a siderúrgica está em fase final e deverá ser incrementado em breve, com a inclusão no processo de reciclagem de veículos que tiveram perda total por outros motivos. A declaração foi dada durante o Seminário Internacional de Engenharia Automotiva, realizado em São Paulo, na semana passada.
No entanto, segundo ele, o descarte da sucata "é um assunto muito delicado para as seguradoras, pois envolve uma fonte de receita importante, que são os leilões de veículos sinistrados". Apesar disso, a nova destinação dos veículos que tiveram perda total é vista internamente como uma maneira de reduzir a atuação dos desmanches ilegais de veículos. Isso por que muitos deles adquirem veículos sinistrados e com as mesmas notas fiscais multiplicam o número de peças revendidas. "É uma forma mais responsável e transparente de dar uma destinação aos veículos", acrescentou Freitas, ao descartar a possibilidade de que as receitas com a venda de sucata superem a dos leilões.
Até o momento, a parceria fez com que aproximadamente oito mil veículos fossem enviados à Gerdau, informou o executivo. Antes, porém, os carros passaram por um processo de desmanche para a retirada de fluidos, vidros e baterias, sobrando apenas a sucata que é utilizada como matéria prima pela siderúrgica. A intermediação entre as partes tem sido feita pela empresa SPA Auto.
Procurada, a Gerdau não retornou as ligações, até o fechamento desta edição, para comentar o assunto. Por e-mail, informou apenas que no ano passado transformou cerca de 16 milhões de toneladas de sucata ferrosa em aço na América Latina, 25% a mais sobre o total de 2007.
No âmbito legislativo, a Inspeção Técnica Veicular é tida como o potencial propulsor de uma regulamentação específica para a reciclagem de veículos. Porém, a aprovação da ITV segue na Câmara dos Deputados desde 2001 e não figura entre as prioridades do momento. Já no caso dos desmanches, o Projeto de Lei nº 372 de 2005, apresentado pelo Senador Romeu Tuma (PTB-SP), propõe a gravação das principais peças dos veículos, criação de um banco de peças certificadas, além do tratamento dos resíduos oriundos da desmontagem.
Na opinião de Harley Bueno, diretor de segurança veicular da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), a grande dificuldade para a implementação de um programa nacional de reciclagem é que o país não tem uma resolução que trate o item de ponta a ponta. "O Ibama faz uma parte, o Mdic outra, mas não se trata a questão como um todo", afirmou Bueno, ao comentar que órgãos do governo têm discutido o assunto.
Para ele, uma alternativa seria a utilização de modelos já existentes em outros países como base para uma legislação nacional. "Em outros países as legislações são de ponta a ponta e até o índice de reciclagem dos componentes é estabelecido para a indústria automobilística. Nós não temos nada disto."
(Por Guilherme Manechini, Valor Econômico, 22/09/2009)