Com toda a tecnologia alcançada até hoje, à beira do fim da primeira década de um novo milênio, questiona-se o real conceito de um termo que ainda parece indefinido: evolução. Para simplistas deslumbrados, ou tecnólogos inconsequentes, o termo é definido pelo simples olhar que só leva em conta a praticidade desfrutada por nós. “Olha aonde chegamos!?”, dizem eles, “hoje, gerenciamos a vida e os recursos a nosso favor”. Para outros, preocupados com o futuro do planeta, a solução é mais complexa. Porém, simples iniciativas apontam um caminho: a retomada de bons e velhos hábitos. Um deles é cada vez mais notável, a volta das sacolas pessoais, reutilizáveis, uma boa alternativa para conter a desenfreada produção de plástico e seus decorrentes prejuízos ambientais.
Já é fato corriqueiro deparar-se nas principais redes de supermercados com a oferta de sacolas retornáveis, produzidas com tecidos provenientes de fibras 100% naturais, como algodão, juta ou bambu. Normalmente elas ficam expostas em estantes ao lado dos caixas e trazem estampadas mensagens em tom ecológico, que vão de um incisivo Eu mudo o mundo ao mais descontraído Não sou de plástico. Com o gradual aumento da propaganda dentro dos estabelecimentos e a ainda tímida instrução ao consumidor, aos poucos vai se aderindo à iniciativa. Mas a resistência é muito grande. A Associação Gaúcha de Supermercados (AGAS) revela que, desde 2008, quando esse tipo de campanha começou a ter maior espaço aqui no estado, apenas 3% dos consumidores aderiram à ideia do uso consciente. E quais seriam os principais motivos para tal resistência? O preço cobrado? A aparente falta de praticidade? A carência de esclarecimento?
Dentre tantas perguntas surge então a questão: seria viável a substituição completa das sacolas plásticas pela de material retornável?
Em meio a tantos projetos defendidos por ambientalistas do mundo todo, a substituição das sacolas plásticas por outras ditas ecologicamente corretas parece, em primeira análise, uma opção viável para o trato mais sustentável do meio ambiente. “As principais vantagens estão justamente no não uso das sacolas plásticas”, exclama o professor Claudio Luis Frankenberg, engenheiro colaborador do Instituto do Meio Ambiente da PUCRS. “Os sacos plásticos tradicionais são feitos de petróleo, recurso não-renovável e cuja exploração e refino trazem sérios danos ao meio ambiente”, diz Cláudio, “só o Brasil produz anualmente, em média, 210 mil toneladas de ‘plástico filme’, matéria-prima dos saquinhos plásticos”. O chamado “plástico filme” é produzido a partir do polietileno de baixa densidade, originado do petróleo, não biodegradável e poluente também durante sua produção.
De acordo com informações da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre (SMAM), as sacolas plásticas não raro causam entupimento das redes públicas de drenagem (ocasionando alagamentos) e prejudicam a vida e o desenvolvimento de todo ecossistema aquático. Um estudo divulgado em junho de 2007 pelo programa Ambiental das Nações Unidas (Unep) comprovou que àquela época existiam mais de 46 mil detritos de plástico em cada milha quadrada de oceano, ou cerca de 18 mil em cada quilômetro quadrado. Segundo o relatório, a cada ano os detritos plásticos causam a morte de um milhão de pássaros marinhos, 100 mil mamíferos aquáticos e milhares e milhares de peixes. Alguém apostaria que esses números diminuíram de lá pra cá?
Outro problema emblemático proveniente, esse sim, da falta de opção, é o senso comum de depositar o lixo das residências e demais locais em sacolas plásticas. “Isso é um erro”, garante o engenheiro Geraldo Reichert, integrante da equipe de resíduos sólidos da SMAM. “De nada adianta comprar uma sacola retornável e depois usar outros sacos plásticos para embalar os resíduos para coleta”, afirma ele. Com uma sugestão comparativa, Reichert aponta aquela que para ele seria a melhor opção: “Nos países que têm abolido as sacolinhas em supermercados a coleta não é feita em sacolas, mas sim em contêineres”. “Isso sim é uma boa alternativa”, avalia.
A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) calcula que são consumidos anualmente de 500 bilhões a um trilhão de sacos plásticos ao redor do mundo. No Brasil, estimativas mostram que cada família descarta em média 40 kg de plástico por ano, sendo os “saquinhos” de supermercados correspondentes a 30% do total descartado. Dados do portal ambientebrasil apontam que o plástico leva até 450 anos para se decompor e estima-se que desde 1930, quando sua produção começou a ser difundida, somente 5% foi reciclado ou reaproveitado. Ou seja, 95% de todo o plástico já produzido continua intacto. Cláudio Frankenberg declara que mesmo sendo possível a reciclagem do plástico, muito pouco é feito para que isso se torne uma realidade palpável. “O principal motivo para a não reciclagem é o elevado custo da tecnologia que existe atualmente para esta tarefa”, afirma. “Portanto”, conclui o engenheiro, “torna-se mais caro reciclar um saco do que produzir um novo”.
A AGAS calcula que aqui no estado são gastos R$ 1,5 bilhão em sacolas plásticas. Um dos assessores de comunicação do órgão, Francisco Brust, aponta um dos possíveis motivos que travam iniciativas internas dos próprios supermercados para a total substituição dos sacos plásticos, o preço. “As sacolas retornáveis, de pano, ráfia, lona e outros modelos, têm um custo muito mais elevado”, admite, “saem bem mais caro, já o produto biodegradável traria custo semelhante”. Essa é outra proposta que vem sendo muito discutida, a utilização de material biodegradável, com vida útil de no máximo 18 meses. Seria uma ótima opção, caso o benefício viesse apenas do tempo de degradação do material. “Diversos e confiáveis pareceres técnicos já constataram seu alto grau de prejuízo ambiental”, comenta Brust, “suas partículas se decompõem com maior facilidade, mas permanecem no solo causando sérios danos”.
Na maioria dos supermercados de Porto Alegre as sacolas retornáveis são oferecidas por um preço que varia entre R$ 2,00 e R$ 3,00. Ou seja, além do valor gasto em compras o consumidor tem que adquirir algumas unidades do produto caso queira ajudar o meio ambiente. Pode parecer pouco e o gasto comprovadamente recompensável, mas não é bem assim. À grande massa tal máxima impera, Antes a mesa posta no dia a dia que um mundo mais limpo em troca do suado sustento. Não seria o caso das grandes redes de supermercados disponibilizarem de forma gratuita o produto? Para Francisco Brust essa é uma discussão menor, “o importante é a iniciativa e a criação de soluções para o problema, consideramos válida qualquer tentativa e preferimos não entrar no mérito de qual é mais eficaz”. Apenas disponibilizar já é alguma coisa.
Toda e qualquer mudança implica em uma reavaliação social e/ou cultural. A completa substituição de sacolas plásticas pelas reutilizáveis afetaria diretamente um costume imposto pela atual corrida cotidiana, a já citada praticidade. É evidente que há um “trabalho” maior em carregar grandes sacolas de pano aos locais de compra do que receber tudo ensacado pelas mãos de funcionários. Mas fazer o quê? “Uma coisa não pode parar”, conclui o engenheiro Geraldo Reichert, “educação ambiental continuada e fiscalização, não tem outro jeito”. Depois disso, resta, tanto aos supermercados quanto aos órgãos públicos e à população, analisar formas de distribuição do material retornável, métodos de orientação e exposição qualificados. E mais, avaliar o que é mais prático: habituar-se a algo nem tão novo assim ou resistir e enxergar inerte à evolução (no seu clássico conceito de deslocamento progressivo) de um grave dano ao nosso planeta.
(Por Mateus Frizzo, contribuição por e-mail ao Ambiente JÁ, 22/09/2009)