Resultados de uma década de estudo em locais do Nordeste onde a paisagem antes coberta pela Mata Atlântica foi dominada pela cana-de-açúcar reforçam a noção de que a fragmentação da vegetação empobrece a biodiversidade, altera as interações entre plantas e animais e compromete os “serviços” prestados pela floresta, como o sequestro de carbono. Os dados também evidenciam que, para lidar com o problema, será preciso repensar algumas estratégias de conservação e priorizar a proteção de fragmentos de floresta com mais de 10 mil hectares.
Originalmente cobrindo uma faixa contínua de Alagoas ao Rio Grande do Norte, a floresta atlântica nordestina encontra-se, há muito tempo, dividida em fragmentos em contato com a lavoura de cana-de-açúcar. Em Usina Serra Grande (AL), estudos sobre essas mudanças deram origem a pelo menos três achados. O primeiro é o de que, nas bordas e em pequenos fragmentos, há drásticas mudanças na comunidade de árvores: o número de espécies cai pela metade e as árvores pioneiras (que ocupam primeiro as áreas abertas) proliferam, enquanto espécies típicas de florestas não perturbadas entram em declínio.
Maior incidência de luz e de ventos são provavelmente os mecanismos que impulsionam essas alterações, mas o colapso da dispersão de sementes e da polinização por vertebrados, a competição com plantas pioneiras e a maior predação de sementes também dão sua contribuição.
Saúvas
O segundo achado é o de que, em ambientes afetados pela criação de novas bordas na floresta, as mudanças na comunidade de árvores ocorrem em paralelo com a explosão das populações de formigas cortadeiras, ou saúvas. Em florestas não perturbadas, predominam plantas tolerantes à sombra que, em geral, apresentam muitas defesas químicas e estruturais contra animais como as saúvas. Porém, com a fragmentação, ampliam-se os ambientes que favorecem as plantas pioneiras, que têm menos defesas e, por isso, são mais atacadas por essas formigas.
A maior oferta de alimentos explicaria aumentos de até 20 vezes na densidade das colônias de saúvas nas bordas e nos pequenos fragmentos florestais de Serra Grande. Investiga-se a hipótese de que essa proliferação intensifica as modificações do ambiente ao longo das bordas e nos pequenos fragmentos, e o resultado, em síntese, é: mais borda mais saúva; mais saúva, mais borda.
O último e, talvez, mais importante achado refere-se ao caminho que a floresta segue após uma perturbação. Em geral, florestas tropicais se regeneram após perturbações humanas, como o corte e a queima, formando florestas secundárias ou em regeneração que, com o tempo, passam do estágio de capoeira para o de floresta madura. A fragmentação parece levar a floresta a um processo inverso: bordas e pequenos fragmentos se assemelham a florestas secundárias com menos de 50 anos de idade.
O problema é que florestas secundárias em estágios iniciais de regeneração abrigam apenas uma pequena parte da biodiversidade de florestas maduras. Nos estudos realizados em Serra Grande, florestas maduras apresentaram, em média, 101,6 árvores por 0,1 hectare (ha), número que diminui para 51,6 nas florestas secundárias. O número de espécies de árvores por 0,1 ha também cai de 36,8, em média, em florestas maduras, para 20,6 nas secundárias.
A mais recente estratégia para a conservação da biodiversidade em paisagens fragmentadas se baseia no estabelecimento de áreas protegidas conectadas por corredores florestais e imersas em paisagens pouco agressivas à diversidade biológica. Os achados em Serra Grande e em outros estudos trazem um alerta: caso as florestas remanescentes apresentem predominantemente habitats alterados pelos efeitos de borda, como ocorre nos pequenos fragmentos, os corredores de biodiversidade terão valor de conservação e de prestação de serviços ambientais reduzidos. A eficácia da estratégia depende da proteção de grandes áreas de floresta, com área superior a 10 mil hectares.
Até o momento não existe ideia melhor que a de integrar áreas transformadas pela ação humana e unidades de conservação por meio de corredores de biodiversidade. Porém, em muitos casos, implantar esses corredores é um desafio científico, político, social e econômico de grande magnitude. É preciso eleger a restauração florestal como política pública de desenvolvimento econômico e social. Estado, iniciativa privada (no caso do Nordeste, o setor sucroalcooleiro), universidades e ONGs precisam trabalhar em parceria enquanto existe alguma chance para a flora e a fauna da floresta atlântica nordestina.
Esta é uma excelente oportunidade para demonstrar que paisagens agrícolas, se bem manejadas, podem ter valor complementar de conservação, prestar serviços ambientais estratégicos e contribuir de forma mais efetiva para o desenvolvimento sustentável das sociedades.
(JB Online / Ambiente Brasil, 21/09/2009)