Especialistas alertam que após definição do marco regulatório, política energética deve ser balanceada
Concluída a definição do marco regulatório do pré-sal, o governo deve concentrar atenções na definição de uma política energética para balancear o uso dos combustíveis e sua inserção no mercado global de combustíveis. A opinião é de especialistas consultados pelo Estado, para quem a nova riqueza pode ajudar a difundir o etanol de cana-de-açúcar no mercado externo. Caso contrário, há risco de retrocesso no esforço feito nos últimos anos pela divulgar os biocombustíveis, que rendeu ao País imagem de pioneirismo no segmento.
"O posicionamento recente de querer se tornar grande exportador de petróleo contradiz com o anterior, de se apresentar como alternativa nos biocombustíveis", diz a economista Annette Hester, diretora do Centro de Pesquisas sobre América Latina da Universidade de Calgary, no Canadá. Tal situação já vem gerando protestos no mundo, mais notadamente entre organizações ambientalistas.
"O Brasil, sempre orgulhoso do esforço para desenvolver energias renováveis e desmamar do óleo, vive um caso grave de febre do combustível fóssil", escreveu, no final de agosto, a agência Associated Press. Uma semana depois, um grupo de ativistas do Greenpeace invadiu a cerimônia de lançamento do novo marco regulatório do pré-sal com faixas questionando a produção das reservas.
"Há grande risco de irmos na contramão de tudo o que está acontecendo no mundo", concorda o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura. A alternativa, diz, é o estabelecimento de uma política energética que preserve, em primeiro lugar, o mercado interno para o etanol. Na sua opinião, notícias recentes sobre o uso de diesel em veículos leves, por exemplo, já sinalizam a tentação de ampliar o peso do petróleo na matriz energética.
"O populismo tarifário já existe e a tentação vai ser maior quando formos grandes produtores de petróleo", completa o especialista. As novas refinarias projetadas pela Petrobrás devem garantir a autossuficiência na produção de diesel, cuja dependência motivou a proibição para uso em veículos de passeio. "A alternativa é decidir quais serão os usos e o papel de cada fonte." Para Annette, o Brasil pode tirar proveito do pré-sal na busca por mercados para o etanol: "Os biocombustíveis são um complemento dos hidrocarbonetos neste mundo de combustíveis líquidos."
Segundo esse raciocínio, o derivado da cana-de-açúcar pode ser vendido junto aos derivados de petróleo que o Brasil pretende exportar a partir da produção do pré-sal. O assunto ainda não foi discutido no governo, diz o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. Ele admite, porém, que o governo terá, com o pré-sal, maior poder de negociação junto às nações consumidoras de petróleo. "É um fato que a transferência para a União de uma quantidade de petróleo nesses novos contratos de partilha dá ao País um grande poder de barganha em algumas questões internacionais, como essa do etanol", afirma.
Para especialistas, o alvo são os Estados Unidos, hoje nas mãos de produtores de petróleo instáveis ou em fase de declínio - como a Arábia Saudita, a Venezuela e o México - e, ao mesmo tempo, em busca de redução das emissões de gases de efeito estufa. Apontado como maior solução, porém, o etanol brasileiro enfrenta enormes barreiras tarifárias.
"Se os produtores de etanol forem espertos, vão se juntar à Petrobrás para mostrar ao mundo uma alternativa sustentável de combustível para a matriz de transporte", sugere Annette. Ela lembra que a Califórnia, por exemplo, está implementando um intenso programa de redução da intensidade de carbono nos combustíveis e desponta como grande mercado para o etanol brasileiro.
(Por Nicola Pamplona, O Estado de S. Paulo, 20/09/2009)