Ficção projeta futuro do planeta após meio século sem combate ao efeito estufa. Sem mensagem edificante, "A Era da Estupidez" pinta cenário cientificamente mais realista do que outros que dramatizaram o tema
O ano é 2055. Catástrofes naturais causadas pela mudança climática, seguidas de guerras, levaram ao colapso da civilização e à quase extinção da humanidade. Numa torre solitária, num Ártico livre de gelo, um sobrevivente reprisa vídeos do começo do século, quando as catástrofes começaram a acontecer. E se pergunta: "Por que não salvamos a nós mesmos quando tivemos a chance?" É esse o argumento de "A Era da Estupidez", filme que pretende mobilizar a opinião pública para a crise do clima e para o novo acordo global contra os gases-estufa, a ser negociado dezembro em Copenhague.
Meio ficção, meio documentário, o filme estrelado por Pete Postlewhaite (o pai de Daniel Dey-Lewis em "Em Nome do Pai" e o caçador de "Jurassic Park") explora as consequências do chamado cenário "mesmo de sempre", no qual as emissões de dióxido de carbono por atividades humanas continuam subindo sem parar. Mais do que isso, no entanto, a produção da diretora britânica Franny Armstrong mostra por que esse é o futuro provável da espécie, ao contar histórias reais de pessoas comuns -cujas ações cotidianas contribuem para o problema.
Um dos personagens, por exemplo, é o milionário indiano Jeh Wadia, que aos 32 anos criou a primeira empresa aérea econômica da Índia, a Go (a aviação é uma das principais fontes de CO2). Há também o engenheiro britânico Piers Guy, que monta uma turbina eólica no quintal de casa para cortar as próprias emissões, mas não consegue montar uma pequena usina eólica em sua região por oposição dos vizinhos, ciosos de sua "paisagem".
Do outro lado estão Fernand Pareau, o guia de montanha francês que vê o aquecimento mudar as geleiras onde cresceu, nos Alpes; a nigeriana Layefa Maleni, cuja aldeia é arruinada pela atividade da Shell no delta do Níger; e duas crianças iraquianas que se refugiam da Jordânia após terem o pai morto na invasão americana de 2003 -uma guerra por óleo.
Talvez a história mais emblemática de todas seja a de Alvin DuVernay, um morador de Nova Orleãs que se recusa a evacuar a cidade durante o furacão Katrina, perde tudo o que tem e que acaba virando um herói local, resgatando uma centena de pessoas com seu barco. Depois de contar sua história, Alvin é filmado em seu local de trabalho: uma plataforma de petróleo da Shell na Louisiana, onde ele analisa amostras de fósseis marinhos para decidir onde é melhor furar... em busca de petróleo.
Libelo
Com estreia nos EUA e no Canadá nesta segunda (21/09), véspera da reunião extraordinária da ONU sobre o clima, e no resto do mundo amanhã (inclusive no Brasil), o filme é um libelo político. Para não arriscar diluir sua mensagem, Armstrong optou por uma produção 100% independente, financiada pela venda de cotas a pessoas físicas.
"Nós queríamos independência para dizermos o que quiséssemos sobre mudança climática", disse à Folha a produtora de "A Era da Estupidez", Lizzie Gillett. "Não queríamos ninguém chegando no final e fazendo cortes." O roteiro tem a tarefa difícil de emocionar um público já saturado de mensagens catastrofistas sobre o clima e exposto nos últimos anos a filmes como o ficcional-tragédia "O Dia Depois de Amanhã" (2004) e o documentário "Uma Verdade Inconveniente" (2006).
À diferença do primeiro, as tragédias climáticas mostradas são reais. À diferença do último, "A Era da Estupidez" não poupa empresas nem traz mensagens edificantes. O espectador sai do cinema deprimido e revoltado consigo.
Questionada sobre a eficiência desse discurso, Gillett afirma: "Você quer contar às pessoas a verdade, que é bem sombria e deprimente, mas não quer deixá-las deprimidas. Mas, se as pessoas conhecem os fatos, eles são bem deprimentes e bem assustadores, então quisemos contar a verdade, mas de uma forma inteligente, sem passar a mão na cabeça delas e dizer: "Se você trocar suas lâmpadas vai ficar tudo bem", porque isso obviamente não é verdade."
Filme
"A Era da Estupidez" de Franny Armstrong, com Pete Postlewhaite; 92 min. Veja sessões no Brasil: www.moviemobz.com
(Por Claudio Angelo, Folha de S. Paulo, 21/09/2009)