Apropriação ilegal de terra pública cedida pelo Getat a famílias assentadas, com reserva de domínio; desrespeito ao Código de Mineração por ignorar totalmente o direito de participação dos proprietários dos imóveis onde se instalou o projeto de mineração da empresa; nenhuma indenização paga aos assentados dos PAs Carajás I, II e III pela ocupação dos terrenos e/ou pelos danos e prejuízos causados desde o início das pesquisas até a presente data; crimes ambientais, com a poluição das grotas e igarapés, e morte de animais provavelmente provocada pelo consumo da água contaminada.
E, por fim, danos ao patrimônio público e de particulares com a interrupção de estradas, demolição de todas as benfeitorias que existiam nos lotes (casas, cercas, plantações inteiras), bens estes edificados com recursos públicos.
Estes são alguns dos crimes elencados e denunciados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará - Fetagri Regional Sudeste - à Procuradoria da República em Marabá em representação apresentada contra a Companhia Vale do Rio Doce no último dia 10 de setembro.
No início da década de 1980, diz a representação, o Getat (sucedido pelo Incra) arrecadou e matriculou, em nome da União, as glebas: Buriti, Taboca e Verde, com área de 79 mil hectares. Essas áreas foram transformadas nos Projetos de Assentamentos de Reforma Agrária Carajás II e III, com capacidade de assentamento para 1.551 famílias. Para a implantação dos PA's, o Incra investiu milhões de reais na abertura das estradas vicinais, estruturação de três Centros de Desenvolvimento Regional (Cedere I, II e III), além de escolas, centros comunitários etc., para receber as famílias.
Nos anos de 1986 e 1987, a Companhia Vale do Rio Doce, através de empresas terceirizadas (Geosol, Geopesquisas, Geoservice, entre outras), iniciou pesquisas na área do Assentamento Carajás II, visando iniciar o Projeto de Mineração do Sossego para extração de cobre. Os trabalhadores assentados relatam que à época os danos causados nos lotes devido às escavações feitas pelas empresas e que a Vale não teria agido como manda o Código de Mineração. Além do Sossego, a Vale adotou o mesmo procedimento na implantação do projeto de mineração Onça Puma, no município de Ourilândia do Norte.
Os assentados nos PA's Carajás I, II e III, diz a representação, têm sido unânimes em denunciar os danos causados pelo Projeto Sossego em relação à estrutura e organização dos assentamentos, bem como às famílias que estão em lotes localizados às proximidades da mina. Afirmam que ao comprar os lotes dos assentados a Vale inviabilizou o transporte em algumas estradas vicinais construídas pelo Incra. A saída de dezenas de famílias acabou desestabilizando algumas vilas ou coletivo de famílias, fazendo com que as famílias restantes ficassem isoladas, inviabilizando o acesso delas às políticas públicas, como a eletrificação rural, escola, etc.
Caso ilustrativo seria o de Vila Serra Dourada, às margens da Vicinal 40. Como a Vale comprou os lotes dos assentados de um lado e outro da estrada, as famílias que residiam à margem e viviam de pequeno garimpo próximo e do trabalho na terra ficaram totalmente abandonadas e cercadas por arame farpado. “Quando ingressam na área da Vale para colher palha, lenha, etc., são ameaçados e reprimidos pelos seguranças da empresa.”
A saída de dezenas de famílias impactou a organização interna do assentamento, a produção dos assentados, e agravou o processo de endividamento da associação e dos assentados perante o Banco da Amazônia em relação ao crédito FNO (coletivo e individual). A Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Serra Dourada, que reúne agricultores de um dos núcleos do Assentamento, que antes da implantação do projeto Sossego tinha 67 sócios, hoje conta com apenas 46 sócios. Por tudo isso, a associação não tem conseguido quitar suas dívidas junto ao Basa, correndo sério risco de os agricultores ficarem inadimplentes e com isso, impedidos de terem acesso a outras linhas de crédito para financiamento da produção.
Meses atrás, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canaã dos Carajás e a Associação dos Assentados denunciaram ao MPF que durante as chuvas de março deste ano, o alagamento dos lotes de vários assentados, que fazem fundo com o rio Parauapebas em frente à mina. A inundação, relataram os moradores, chegou um nível nunca atingido durante os 25 anos que as famílias residem no assentamento. Todos atribuem a enchente ao represamento do Parauapebas em conseqüência do acúmulo de sobras de terra (“bota fora”) depositadas pela Vale junto ao leito do rio.
Os moradores da Vila Boa Jesus, a poucos km da mina, onde residem dezenas de moradores e cerca de 600 estudantes freqüentam diariamente as aulas, também denunciam os danos provocados pela Vale: a poeira do tráfego dos carros da empresa; poluição sonora em razão de ruídos provocados, principalmente à noite no interior da mina; impactos dos explosivos e o uso de produtos químicos na mina prejudicam moradores e interferem na reprodução dos animais.
Ademais, os assentados são impedidos de utilizar o rio Parauapebas e quando são apanhados pelos guardas da Vale na margem do rio, do lado das terras da empresa, são ameaçados e levados presos para a Delegacia de Polícia Civil de Canaã dos Carajás, dizem a CPT e a Fetagri.
Por tudo isso, eles pedem ao Ministério Público Federal que instaure procedimento apuratório “a fim de que seja instaurado o competente procedimento para apurar os fatos aqui apresentados, bem como que sejam adotadas todas as medidas coercitivas que se mostrarem bastantes e necessárias para coibir os crimes e irregularidades que forem apuradas, com vistas a se responsabilizar a Representada naquilo que couber.”
(Quaradouro / Fórum Carajás, 18/09/2009)