No dia em que a morte do sem-terra Elton Brum da Silva completa um mês, Zero Hora revela trechos de mais um caderno com anotações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que mostram as estratégias adotadas pela organização após o episódio
Um novo caderno com anotações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), encontrado na sede desocupada do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) na semana passada, revela o pensamento dos sem-terra sobre a morte de um ecompanheiro. Em um dos trecho das anotações, o movimento pondera a necessidade de afastar o superintendente do Incra no Estado, Mozar Dietrich.
Jogado em uma lata de lixo no estacionamento do Incra, o caderno escolar com 26 páginas escritas à mão também permite que a sociedade conheça o que o movimento pensa sobre assuntos estratégicos. Pelo conteúdo revelado, percebe-se que o MST buscou capitalizar politicamente a morte do seu militante Elton Brum da Silva. O sem-terra foi morto há exatamente um mês com um tiro de espingarda disparado por um PM, na desocupação da Fazenda Southall, em São Gabriel. Embora lamente o episódio, pela dificuldade que o trauma acarretará no recrutamento de militantes, o autor comemora a repercussão.
– Assunto é o morto e ponto. Demos uma boa aquecida agora – escreveu o integrante do MST responsável pelos registros, encontrados por Zero Hora logo após a saída dos mais de 600 sem-terra do prédio invadido no dia 8 de setembro.
As anotações são tão claras que deixam margem para a suspeita de que o MST manda recados via cadernos abandonados. As anotações são metódicas e dogmáticas. O caderno mostra como os líderes planejam as estratégias de enfrentamento com as autoridades, como avaliam os saldos positivo e negativo da morte do acampado de Canguçu.
O achado detalha a invasão do Incra, que teria como principal objetivo desgastar e provocar a demissão do superintendente regional, Mozar Dietrich – um antigo aliado do MST – por posição contrária à criação de novos assentamentos no Rio Grande do Sul. Os escritos evidenciam ainda que a organização teme ficar isolada na sociedade. Em 15 páginas, os sem-terra constatam que sofrem “grande isolamento na sociedade e na esquerda”, mas que a morte do companheiro possibilitou a reabertura de diálogo com as autoridades ao dar nova visibilidade ao movimento.
Desde 2002, esta é pela menos a quarta vez que escritos do movimento vêm à tona. Em 8 de maio de 2008, por exemplo, logo após depredar a Southall, militantes deixaram para trás quatro cadernos preenchidos a caneta. Eram atas que revelavam o cotidiano na invasão. Em revistas nas escolas itinerantes do MST, promotores também encontraram manuais nos quais as crianças recebem uma noção positiva das invasões e aprendem que fazendeiros e policiais são inimigos.
Um dos que não se surpreende com o teor do caderno encontrado esta semana é o ex-ouvidor agrário do governo estadual Adão Paiani. Ele testemunhou em 2008 a apreensão de diários semelhantes, logo após o MST deixar a fazenda Southall. O então ouvidor denunciou atrocidades cometidas pelos sem-terra contra animais da fazenda, mas nem por isso caiu em desgraça junto ao MST, já que foi um dos primeiros a protestar contra a morte a tiro do sem-terra Elton Brum, no que qualificou de “ação desastrosa” da BM. Paiani acha pouco provável que tais cadernos sejam abandonados de propósito ou que sejam plantados por inimigos dos sem-terra.
– Cadernos como esses fazem parte do cotidiano do MST. É assim que eles enxergam a sociedade. O uso político da morte do sem-terra é uma barbaridade, mas não me surpreende – pondera.
Procurador-geral de Justiça na época em que cadernos foram encontrados na fazenda Southall, Mauro Renner se diz espantado com o teor dos manuscritos achados no Incra:
– Por outro lado, não podemos afastar a hipótese da contra-informação, para prejudicar o movimento.
O caderno mostra que o MST programou uma série de protestos pela perda do companheiro. Foram planejadas 11 manifestações em nove municípios, das quais oito teriam sido realizadas.
Após um mês, a morte do sem-terra ainda está sob investigação na BM e na Polícia Civil. A Delegacia de São Gabriel pretende concluir o inquérito esta semana. O autor dos disparos já foi identificado, mas os policiais mantêm o nome em sigilo.
O MST foi procurado por ZH para comentar o achado, mas não respondeu às tentativas.
(Por Humberto Trezzi, Zero Hora, 21/09/2009)