Não é de hoje que o governo mostra interesse na construção de um mega-projeto hidrelétrico no rio Xingu (PA). Também não são de hoje os protestos que a sociedade civil vêm fazendo contra a obra e seus impactos. Há 30 anos, índios, ribeirinhos, ambientalistas e líderes sociais conseguiram um feito inimaginável: o Banco Mundial vetou o financiamento do empreendimento. O projeto ficou engavetado até meados de 2007, quando o governo retomou a ideia de construir a hidrelétrica e, novamente, a sociedade se manifestou.
Desta vez, no entanto, com a pressão do governo e suas políticas de construção de mega-empreendimentos na região, a obra tem muito mais força do que antes: o Ministério de Minas e Energia promete leiloar a usina de Belo Monte ainda no próximo mês. Pior, tudo indica que o preço a ser cobrado pelo Kwh dessa energia não incluirá os custos sociais decorrentes da construção da hidrelétrica, valor esse que deveria ter sido definido no EIA-RIMA da obra, mas não foi. Prevendo os protestos sociais, o presidente Luís Inácio Lula da Silva afirmou – em julho – que não empurraria o a construção da hidrelétrica “goela abaixo”. A declaração do presidente criou a esperança de que as vozes populares contrárias à obra seriam ouvidas, mas as quatro audiências públicas realizadas recentemente para debater o projeto mostraram justamente o contrário.
Quem participou das discussões, aliás, quem assistiu aos discursos do governo sobre o tema, teve a impressão de que os eventos foram feitos apenas para cumprimento de um protocolo necessário ao licenciamento ambiental da hidrelétrica e não para seguir com sua finalidade: abrir um espaço de diálogo entre a população e o governo para se chegar a um consenso. A mesa diretora das discussões, em nenhum dos encontros, contou com a presença de representantes do Ministério Público e da sociedade civil organizada. Na condução dos debates, somente empresários, técnicos responsáveis pelo estudo de impactos ambientais de Belo Monte e integrantes do Ibama foram permitidos.
Essa arbitrariedade extinguiu, de fato, um diálogo justo durante as audiências. Elas sequer foram públicas: o tempo dado para questionamentos e argumentação por parte da população foi de apenas três minutos, isso quando não havia intervenção de políticos ao longo das discussões. Em Altamira, o encontro atravessou a madrugada e as respostas para muitas das perguntas dos habitantes da região do Xingu foram respondidas depois que esses já haviam saído.
O que aconteceu, na maior parte dos eventos, foi uma apresentação superficial e, ao mesmo tempo, incompreensível do EIA-RIMA da usina, por parte de técnicos e empresários. Como se não bastasse a metodologia inacessível que foi utilizada para explicar o projeto, os estudos dos impactos da obra, formados por 35 volumes, foram divulgados pouco tempo antes das audiências, dificultando a análise prévia do seu conteúdo por pesquisadores e líderes da comunidade. Com esse cenário, seria ingênuo esperar que houvesse intérpretes das discussões para índios e pessoas com deficiência auditiva.
Outro aspecto que dificultou ainda mais a participação popular nas audiências foi o espaço físico. Em Belém, o local escolhido foi um auditório pequeno demais para receber muitos dos integrantes das populações locais, que tiveram de assistir a tudo de fora, por um telão. Não bastasse todo esse boicote, houve muita preocupação com a segurança: policiamento ostensivo, para caso houvesse um levante popular injustificado.
Mas, isso não calou os protestos. Agora, movimentos sociais, pesquisadores e Ministério Público se articulam, prometendo reação – goela abaixo do governo, caso as gargantas da sociedade continuem a ser desprezadas. A resposta virá via Justiça – com uma ação pedindo o cancelamento das audiências. Resta saber se, até lá, o projeto não estará de pé.
(Amazonia.org.br / IHUnisinos, 17/09/2009)