Pelo plano de 1998, falta construção de pelo menos 91 piscinões para conter cheias do Tietê, ao custo de R$ 3,6 bi
Caso mantenha o ritmo de investimentos feitos até o momento nas obras de combate a enchentes, a Região Metropolitana de São Paulo deve levar quase 40 anos para implementar o plano estrutural anticheias, cuja meta é fazer a Bacia do Alto Tietê suportar temporais que despejem 80 mm de água em duas horas na metrópole - na chuva do dia 9, que fez os Rios Tietê e Pinheiros transbordarem em seis pontos, choveu 60,4 mm em seis horas.
Desde que o Plano de Macrodrenagem foi concebido no Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE), em 1998, foram construídos 43 piscinões dos 134 previstos para a Grande São Paulo, suficientes para armazenar 8,5 milhões de m³ de água. Conforme o projeto, seria preciso fazer mais 91 reservatórios com capacidade para 26,6 milhões de m³ (ou 9.500 piscinas olímpicas), a um custo estimado de R$ 3,6 bilhões - duas vezes mais do que o R$ 1,7 bilhão gasto na calha do Tietê.
Os investimentos em piscinões foram feitos principalmente nos últimos nove anos. Até dezembro, outros quatro reservatórios devem ser entregues, com capacidade para armazenar 900 mil m³ de água. "O atual desafio é conseguir que os municípios indiquem novas áreas para os piscinões. Estamos revendo o plano. Acho que se São Paulo dobrar a capacidade atual de armazenamento de água já será suficiente", diz a secretária de Saneamento e Energia, Dilma Penna.
Para evitar que São Paulo fique embaixo d"água, o plano antienchentes previu duas soluções estruturais de engenharia hidráulica. A primeira foi aumentar a vazão da chamada "grande cloaca" ou "grande ralo" da bacia, apelido recebido pelo Tietê, que recebe toda a água, o esgoto, o lixo e o entulho de seus 63 afluentes.
Com o alargamento e o aprofundamento da calha, obra concluída em 2005, a vazão do rio passou de 650 para 1.188 m³ por segundo. Esse aumento, no entanto, era insuficiente para que o Tietê suportasse todo o volume de água e detritos que chegavam dos afluentes durante os temporais. Os piscinões, criados com a função de armazenar nas cabeceiras dos afluentes tudo o que chegaria ao Tietê, foram a solução complementar. "Alargar mais a calha do Tietê é impossível. Resta restringir a vazão dos afluentes com os reservatórios", afirma o engenheiro Aluísio Prado Canholi, um dos idealizadores do plano antienchentes, que atualmente trabalha na revisão do projeto.
O convívio com essa rede de rios urbanos se torna ainda mais complicado quando entra em discussão a chamada microdrenagem, sistema de rede de bueiros e galerias que levam as águas das ruas para os rios. Só na capital, são 397 mil bocas de lobo e 2.850 km de galerias, que precisam ser limpas permanentemente para não entupirem e causarem pontos de alagamentos isolados nos bairros. "Cobramos em vão dos prefeitos que tenham planos para limpeza dos bueiros e galerias, serviço vital, mas negligenciado", diz Heitor Tomazini, diretor executivo do Defenda São Paulo.
Na limpeza da rede de bueiros, galerias e de 14 piscinões, a capital gastou R$ 100 milhões no ano passado. Mesmo assim, restam 450 pontos vulneráveis, segundo o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE). "Impermeabilização do solo, lixo nas ruas, estrutura insuficiente ou ultrapassada de bueiros e galerias são algumas causas", diz o engenheiro do CGE Hassan Baraka.
250 mil caminhões de terra sufocam rio
Entre as 1.600 favelas da capital, 600 estão perto de leitos d"água ou de encostas. Dos 870 loteamentos de baixa renda na cidade, 217 estão na beira de córregos ou em avenidas de fundo de vale, próximas aos rios. Se o alargamento do calha do Tietê e a construção dos piscinões aparecem como soluções consensuais antienchentes, o adensamento das regiões próximas às cabeceiras e beiras de rios ameaça pôr tudo a perder.
A expansão permanente da mancha urbana da Grande São Paulo, cuja área em 1960 era de 874 km², chegando a 2,2 mil km² nos dias de hoje, contribui para aumentar a impermeabilização do solo e o assoreamento dos rios. Além de ameaçar a vida dos moradores das encostas - só na capital, existem 562 pontos de risco.
O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor da Divisão de Geologia do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), calcula que a terraplenagem e a erosão nas periferias são responsáveis por despejar anualmente mais de 3 milhões de m³ de terra nos rios da Grande São Paulo, o que corresponde a 250 mil caminhões. O destino final é o Tietê. "Barrar a expansão da mancha urbana deveria ser o foco principal de um plano de combate a enchentes."
O superintendente do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), Ubirajara Tannuri Felix, não confirma os dados sobre o volume de detritos despejados na Bacia. Mas afirma que, no ano passado, foram retirados 400 mil m³ de detritos do Tietê, mais de 30 mil caminhões, trabalho que custou R$ 27 milhões ao Estado. "Acredito que a solução hidráulica está bem encaminhada. O principal esforço agora é para proteger as regiões da nascente do rio, que ainda não foram ocupadas", diz.
Para evitar que o Rio Tietê não inunde a região mais adensada da cidade, entre Guarulhos e Osasco, a vazão do Tietê não pode estar acima de 500 m³ por segundo quando chega à Barragem da Penha, em Guarulhos. É o que pode ocorrer caso as matas de Suzano, Poá, Mogi das Cruzes, Biritiba Mirim, Itaquaquecetuba e Salesópolis sejam ocupadas e impermeabilizadas.
O governo de São Paulo promete investir R$ 1,7 bilhão no maior parque linear do mundo, com 75 km de extensão, área de 107 km² e uma ciclovia de 230 km, com a finalidade de proteger a várzea do Tietê entre Guarulhos e Salesópolis, para evitar a ocupação da região. "Caso contrário, só vão restar piscinões como alternativa para conter a chegada das águas dos afluentes do Tietê", alerta o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, do Instituto de Engenharia.
Se a criação do parque agrada a ambientalistas, muitos acreditam que a medida não é suficiente. "Existe uma ampla região vulnerável além da várzea e que não está sendo contemplada. Um cinturão verde deveria ser criado nessa região com medidas ousadas para proteger as florestas, como pagamento a proprietários que preservarem seus terrenos", sugere Maria Luísa Ribeiro, coordenadora de Recursos Hídricos do SOS Mata Atlântica.
(Por Bruno Paes Manso, O Estado de S. Paulo, 20/09/2009)