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extinção de espécies pchs impactos de hidrelétricas
2009-09-21

Última população viável do surubim-do-doce, antes comum em dois Estados, seria soterrada por usina, afirma biólogo. Empresa que propõe obra em Ponte Nova afirma que escadas na hidrelétrica vão permitir sobrevivência da espécie; cientista discorda

A última população viável de um peixe que já habitou boa parte dos rios de Minas Gerais e Espírito Santo pode ser destruída pela ampliação de uma hidrelétrica, afirma um biólogo da UFV (Universidade Federal de Viçosa). Se a obra for adiante, será apenas questão de tempo até que a espécie suma do mapa, diz o pesquisador.

O bicho em questão é o surubim-do-doce (Steindachneridion doceanum), um peixe de couro que pode ultrapassar os 20 kg e chegar a 1 m de comprimento. Como o nome popular do animal indica, ele já foi comum em toda a bacia do rio Doce, da qual é endêmico (ou seja, existe nesses rios e em nenhum outro lugar).

Não é a primeira vez que um bagre se coloca no caminho de uma usina. A construção de hidrelétricas no rio Madeira também foi questionada por causa da ameaça a outro peixe de couro, a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii). Mas a situação do surubim-do-doce é bem mais dramática, diz Jorge Abdala Dergam, da UFV. "Em Ponte Nova [município em que a ampliação da hidrelétrica pode acontecer], no rio Piranga, a população parece viável. Volta e meia há capturas, vemos [animais] juvenis. Mas as outras três populações que existem no rio Santo Antônio já estão funcionalmente extintas", afirma Dergam.

Ambos os rios são afluentes do Doce. Contudo, enquanto o Piranga ainda possui um trecho considerável em que há correnteza forte, profunda e com fundo rochoso, o rio Santo Antônio teve o território tradicional do peixe reduzido ao que Dergam chama de "aquários". "Os surubins que ainda existem lá estão em poços de 30 m de comprimento, isolados por praias extensas. Tem areia demais na calha do rio e, na seca, a coluna d'água chega a ter só uns 10 cm", diz o biólogo.

Se a ampliação da usina Brito, uma PCH (Pequena Central Hidrelétrica), avançar como planejado, o trecho do rio Piranga que é crucial para a espécie será inundado, acabando com o habitat do bicho, avalia Dergam. Isso porque o animal depende de tocas rochosas no leito fluvial, as quais serão soterradas pelo sedimento que vai cobrir o fundo do futuro reservatório com o tempo.

Ao que tudo indica, não haveria esperança de recuperação para a espécie em outros locais. Além de estar localmente extinto no Espírito Santo, o bicho desapareceu até da memória coletiva dos pescadores de Aimorés (MG): hoje, eles chamam de "surubim-do-doce" um peixe que na verdade é híbrido de duas outras espécies.

Lei sob risco
O surubim-do-doce está listado no "Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção", do Ministério do Meio Ambiente, como espécie "extremamente rara". Uma lei municipal promulgada no ano passado declarou o trecho do rio Piranga que passa por Ponte Nova monumento natural, o que impediria a ampliação da hidrelétrica. No entanto, a atual administração pretende alterar a lei em favor da obra.

O estudo de impacto ambiental sobre a a ampliação da usina diz que a construção de escadas na barragem manteria a população do peixe viável. Dergam, porém, diz que a medida não funcionou em outros locais. Procurada pela Folha, a Prefeitura Municipal de Ponte Nova não se manifestou sobre a questão.

Espécie será prioridade em obra, diz firma
A empresa Novelis, que deverá ser responsável pela ampliação da usina Brito em Ponte Nova, declarou à Folha, em nota oficial, que sua atuação na obra será pautada pelo EIA (estudo de impacto ambiental) produzido para avaliar o projeto. "O EIA trata com prioridade a questão da presença do surubim-do-doce no trecho do empreendimento (...) e propôs medidas ambientais específicas para o monitoramento da espécie", afirma a Novelis.

A empresa diz que discorda da avaliação de que a presença de escadas na barragem não vai ajudar o peixe. "O EIA apontou a necessidade de um mecanismo tipo escada com ranhuras verticais para a transposição dos peixes. Estudos no Brasil e no exterior mostram que esse tipo de escada proporciona um fluxo de água mais próximo das condições naturais do rio."

(Por Reinaldo José Lopes, Folha de S. Paulo, 19/09/2009)


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