Um projeto de lei encaminhado pela senadora Kátia Abreu (DEM-TO) pretende fazer com que os produtos transgênicos não sejam mais obrigados a trazerem essa informação nos seus rótulos. Produtos geneticamente modificados têm sido alvo de debates, uma vez que carecem de estudos acerca das suas consequências quando consumidos tanto por animais quanto pelo homem. “A falta de estudos e pesquisas de impactos ambientais, sociais, econômicos e, principalmente, para a saúde faz com que se afirme a necessidade da observância do principio da precaução”, afirmou, em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone, a assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, Juliana Avanci.
Ela analisa, nesta conversa que tivemos, o significado e o que está em jogo com o desenvolvimento do projeto, além das consequências para agricultores e consumidores. Assim, Avanci considera que, se este projeto de lei for aprovado, o Brasil viverá um grande retrocesso.
Confira a entrevista.
IHUnisinos - Pra você, o que significa o projeto que corre no Congresso que quer acabar com rotulagem de produtos transgênicos?
Juliana Avanci – A senadora tem apresentado esse projeto com uma visão comercial totalmente equivocada. Hoje, o que temos constatado em relação aos transgênicos é que as normas editadas pela CNTBio são insuficientes e ineficazes. Tanto que, no Paraná, a secretaria de agricultura e abastecimento apresentou uma nota técnica onde é denunciada a contaminação das plantações de milho convencional e orgânico pelos transgênicos. Isso desencadeia uma série de comprometimentos, tanto para o consumidor quanto para o agricultor. Nesse âmbito do consumidor, a partir do momento em que não é feita a segregação de forma adequada, não se tem uma separação na cadeia produtiva, inevitavelmente, o consumidor vai comprar produto transgênico sem saber disso.
A falta de estudos e pesquisas de impactos ambientais, sociais, econômicos e, principalmente, para a saúde faz com que se afirme a necessidade da observância do principio da precaução, que rege o direito ambiental e outros segmentos. Ele fala que, na ausência de comprovação, é preciso se precaver, adotar medidas que evitem riscos e danos maiores. Então, a partir do momento em que a senadora apresenta esse projeto de lei, está ignorando o direito à informação dos consumidores, está reforçando à falta de políticas públicas que visa a segurança dos consumidores. É uma afronta aos consumidores e agricultores.
O que está em jogo nessa proposta da senadora Kátia Abreu?
Avanci – Kátia Abreu tem uma visão econômica equivocada mesmo. Visa simplesmente à liberação total da produção, seja ela contaminada ou não, transgênica ou não. Isso ameaça as plantações não transgênicas de contaminação. Um agricultor que não tem interesse em plantar transgênico, não quer vender transgênico, tem a sua plantação ameaçada. Com esse projeto de lei a produção que vai chegar na mesa do consumidor não vai ter informações, ou seja, sem o respaldo de uma pesquisa, ela não saberá quais os impactos que esse produto vai ter na saúde dele. Hoje a contaminação das plantações de milhos convencionais e orgânicos tem feito com que muitos produtores percam seus contratos no MERCOSUL, na Europa, que não compram milho transgênico. Isso acaba revertido para consumo interno.
Qual a diferença do mercado do transgênico no Brasil e no exterior?
Avanci – Agora, adota-se uma política agrícola que visa, simplesmente, a exportação de algumas matérias-primas. Isso não é ruim, mas acontece que, no mercado interno, nós não temos controle, por parte dos órgãos competentes, do que está sendo vendido e, por consequência, está chegando à mesa do consumidor. A União Europeia, por exemplo, faz um teste nos produtos importados para eliminar aqueles que estão fora dos padrões exigidos. Essa é a diferença.
Na Europa, os transgênicos são muito rejeitados. Sendo o Brasil um dos maiores produtores do mundo, onde podemos chegar?
Avanci – Alguns países europeus têm política de importação. O que tem sido mostrado é que muitos países não estão mais aceitando produtos transgênicos. É uma opção de resguardar a saúde das pessoas. Enquanto não tivermos conhecimento do que isso pode causar, não temos porque consumir, até que se tenha análises conclusivas sobre a questão. A ameaça acontece em várias esferas, como às liberdades individuais e coletivas. A questão é essa: a contaminação existe, essa é uma tentativa de fazer liberar uma produção contaminada e, assim, tirar o acesso à informação para que as pessoas acompanhem. Se continuarmos sem políticas que respaldem a produção, a distribuição e a comercialização, a tendência é que a gente saia perdendo nos nossos contratos externos e até internos.
Se o projeto for aprovado, quais as consequências para os consumidores?
Avanci – O quadro vai mudar totalmente. Se hoje nós temos uma legislação que garante minimamente que as pessoas tenham acesso a informações do que estão consumindo através do Código de Defesa do Consumidor, que determina, de forma clara, que as informações sejam rotuladas, com essa nova lei aprovada nós vamos ter um grande retrocesso.
A lei de rotulagem de alimentos está em vigor desde 2004. Como você avalia esses cinco anos da lei?
Avanci – Nós ainda temos alguns passos para avançar. O ideal seria que todos os alimentos fossem rotulados, desde a produção de aves e suínos – animais que são alimentados com produtos orgânicos e, também, transgênicos. Tudo isso deveria ser efetivado já na prática. Qualquer mudança que venha a restringir ainda mais as informações que ainda não são suficientes, só trará prejuízos para todo mundo.
O sociólogo Cristóvão Feil disse, em artigo, que “defensores dos transgênicos acham tão maravilhosos seus produtos modificados só que não querem que a população, o consumidor, saibam da sua condição de transgênicos”. Porque há tanta “necessidade” de esconder essa informação?
Avanci – Os impactos nós vamos sentindo aos poucos. Por exemplo, nós tínhamos os transgênicos liberados no Brasil sem normas que regulamentasse, mas foi determinado à CNTBio para que fossem editadas as normas, no entanto elas se mostraram ineficazes, ou seja, elas estão permitindo a existência dos sistemas produtivos e não estão garantindo a não contaminação. Nós vamos, portanto, sentir os impactos aos poucos, agora aconteceu a contaminação.
O que vai ocorrer, com isso, é que algumas doenças vão se manifestar, mas serão restritas às pessoas que tem interesses meramente econômicos na questão. Há interferência, hoje, na liberdade de escolha, na informação, na liberdade de opção de plantio.
(IHUnisinos, 17/09/2009)