A remissão cinematográfica não evoca uma imagem agradável. "Imagine um mundo de 'Guerra nas Estrelas' no centro e um enorme muro que o separa da realidade árida de 'Mad Max'", diz o inglês Duncan Green, chefe de pesquisas da Oxfam, a ONG de perfil social que trabalha pelo fim da pobreza e desigualdade social no mundo. Isto, segundo ele, é o que poderia acontecer no futuro se não se chegar a um acordo climático justo e satisfatório em breve.
Dentro do tal muro vivem as populações de um grupo de países ricos e muito tecnológicos, capazes de se proteger da destruição provocada pela mudança climática e de controlar o acesso ao carbono dos gases-estufa. Do lado de lá desta espécie de "cortina de carbono", diz Green, "estariam países e comunidades pobres, vivendo em uma Nova Idade Média, sujeitos a condições climáticas cada vez mais instáveis e devastadoras, incapazes de ter acesso ao carbono necessário para se unir ao grupo dos ricos."
Esta descrição apocalíptica do futuro ele faz em seu livro "Da Pobreza ao Poder - Como Cidadãos Ativos e Estados Efetivos Podem Mudar o Mundo" (Cortez Editora e Oxfam Internacional, 649 páginas), que já foi lançado em 15 países e chega agora ao Brasil.
Há outra maneira de ver o desafio enorme que o mundo tem pela frente para enfrentar a mudança do clima. Para que a temperatura do planeta não aqueça mais que 2°C no fim do século e, assim, possam ser evitadas grandes catástrofes, todas as pessoas, de todos os países, poderiam emitir apenas 1 ou 2 toneladas de carbono em 2050. Hoje os europeus emitem, em média, 10 toneladas per capita, os chineses, 5 toneladas, e os americanos, 23 toneladas.
"Isto significa um choque econômico e tecnológico enorme", diz ele. Resolver esta equação, que impõe limites ao crescimento, no seu entender passa pela vertente tecnológica e pela resposta a quem terá direito ao crescimento. "Mas a ciência não tem uma bala mágica, não terá todas as respostas", adverte. Ele diz, por exemplo, que se fosse possível que o mundo inteiro tivesse acesso, hoje, às técnicas mais avançadas e limpas e todos pudessem ser tão eficientes em suas emissões de carbono como a Alemanha, o Japão, o Reino Unido e a Suíça, as emissões globais de carbono cairiam cerca de 43%. Isso daria dez anos a mais de prazo para que as emissões globais sejam reduzidas em 80% em relação aos níveis registrados em 1990, em 2050. Nada muito animador mesmo na hipótese de ficção.
"O debate em torno do aquecimento global e do tratado climático coloca a seguinte questão ao mundo: quem tem direito a crescer?", questiona Duncan. "Este é um tema de difícil resposta política." Ele lembra que Botsuana foi o país da África que mais cresceu nos últimos 40 anos - sem costa para comércio e com boa parte de seu território tomado pelo deserto.
"Esta é uma resposta difícil de ser aceita pelas ONGs, mas trata-se de um Estado eficaz", sublinha. O mesmo aconteceu com a Coreia do Sul nos últimos 50 anos. Green vê na combinação do Estado eficiente com cidadãos mais conscientes um possível caminho para o futuro no mundo aquecido.
(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico, 17/09/2009)