Novo ato ocorreu durante audiência pública sobre construção de usina
Apesar do apoio que recebeu de algumas comunidades indígenas do Xingu, o governo federal ainda vai enfrentar muita resistência para construir a usina hidrelétrica de Belo Monte. As quatro audiências públicas até agora realizadas para ouvir comunidades da floresta - duas em Altamira, no último fim de semana - terminaram em protestos, inclusive com intervenção da Força Nacional. Em Belém, nesta terça à noite (15/09), índios de várias etnias fecharam ruas em frente ao Centur, local da reunião, afirmando que não permitirão a obra.
"Isso é uma palhaçada, estão impedindo os povos da floresta de falar na audiência e dizer que não querem a usina. O governo veio para a audiência com tudo já decidido", protestava um dos diretores do Fórum da Amazônia Oriental (Faor), Mateus Waterloo. Com faixas e cartazes, os índios, com apoio do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) dançavam pintados para a guerra, enquanto 20 homens da Força Nacional formavam um cordão de isolamento para evitar a invasão do auditório.
Indiferentes à manifestação, dirigentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), tendo ao lado representantes da Funai e Eletronorte, exibiam vídeos, gráficos e números para mostrar a importância da usina, alegando que ela será responsável pela geração de emprego e renda na região. Eles também procuravam atenuar as queixas sobre o impacto ambiental da obra, que vai provocar a inundação de áreas ocupadas por comunidades tradicionais. Para o Ibama, esse impacto será muito menor que o causado pela construção da hidrelétrica de Tucuruí, nos anos 70.
Para as entidades sociais e ambientais, o projeto deve aumentar a miséria e a violência, além de destruir a fauna e a flora da região, expulsando milhares de pessoas das áreas rurais e urbanas onde residem. Em carta enviada em julho ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Faor diz que a decisão de construir Belo Monte em uma bacia como a do Rio Xingu, "com sociobiodiversidade única no planeta", não pode ser tomada "atropelando a população, os costumes locais, a sabedoria dos povos das florestas, e o próprio processo de licenciamento previsto em lei".
Os procuradores da República no Pará, Daniel Azeredo Avelino, Rodrigo Costa e Silva e Ubiratan Cazetta, além do promotor de Meio Ambiente, Raimundo Moraes, protestaram contra a ausência de índios e trabalhadores sem terra na audiência pública. Os quatro se retiraram do teatro Margarida Schivazapa, seguidos pela solidariedade de mais de 300 pessoas. Eles prometem impugnar na Justiça as quatro audiências já realizadas no Estado.
O clima ficou tenso quando o coordenador da Força Nacional, diante da argumentação dos membros do MP de que era necessária a participação de todos os movimentos sociais no auditório, avisou que ninguém mais poderia entrar, uma vez que a lotação do local estava esgotada. "Se mais pessoas entrarem, eu não posso me responsabilizar pela segurança", disse. O teatro tem capacidade para 480 pessoas. Com a entrada dos índios e dos sem-terra, cerca de 600 pessoas já lotavam o teatro e as escadarias, e ainda assim dezenas se amontoavam do lado de fora. Eram pesquisadores e estudantes universitários, assim como integrantes de movimentos sociais.
Os membros do MP tentaram negociar com o presidente do Ibama, Roberto Messias, para que a audiência fosse realizada em um auditório maior, que abrigasse todos os interessados. Eles argumentaram que não seria possível garantir nem a segurança de quem estava dentro, nem a participação de quem estava fora. Messias não concordou, justificando que quem não tinha entrado acompanharia pelo telão instalado do lado de fora e descartou um acordo para adiar a audiência.
Sem acordo, a audiência se iniciou em meio a tumultos, mas foi logo interrompida. Após o pronunciamento do representante do governo do Estado, Maurílio Monteiro, o procurador da República Rodrigo Costa e Silva consignou novo protesto pelo formato escolhido para as audiências e anunciou a retirada dos membros do MP. ''Estamos consignando novamente nosso protesto contra esse formato de audiência pública. Estivemos presentes às três audiências anteriores e já tivemos todas as prerrogativas do Ministério Público cerceadas pelos organizadores. O regulamento aprovado pelo Ibama não permite a efetiva participação nem do MP, nem a popular'', criticou Costa e Silva.
O promotor Raimundo Moraes foi categórico: ''essa audiência é inédita em Belém. Nunca vi uma audiência pública feita com tanta força policial, impedindo até autoridades de entrarem no estacionamento. Nunca vi uma audiência pública em que a sociedade civil não participa da mesa, ao menos simbolicamente. Nenhum debate se faz dessa forma acanhada, restritiva, com violência institucionalizada. Até o regulamento dessa audiência é inconstitucional.'' Durante a confusão, metade das pessoas que estavam no auditório se retiraram, incluindo os índios presentes, entre os quais o cacique Kayapó Paulinho Payakan.
O Ministério Público Federal (MPF) promete cobrar do governo estudos complementares antes da decisão sobre a viabilidade ambiental da hidrelétrica. Nessa batalha para evitar que a usina seja aprovada sem um debate mais profundo, conta com o apoio do Painel de Especialistas, um grupo de estudiosos não ligados ao governo que analisa a obra.
(Por Carlos Mendes, O Estado de S. Paulo, 16/09/2009)