Protestos e manifestações populares marcaram a terceira audiência pública sobre Belo Monte que aconteceu neste domingo (13/09) em Altamira. Faixas de protesto decoravam os muros do lado de fora do Ginásio Esportivo no bairro Brasília, onde reuniram-se cerca de 6.000 pessoas, com forte presença policial (mais de 300 homens). Durante 11 horas, moradores de Altamira e região, agricultores familiares, indígenas, comerciantes, políticos, funcionários dos órgãos governamentais, fazendeiros, movimentos sociais e pesquisadores debateram sobre os prós e os contras da usina hidrelétrica, debaixo de vaias, gritos de protesto, aplausos, apitos e sons de tambores dos movimentos populares.
A audiência de Altamira também foi marcada pela solicitação de nulidade das atuais audiências pelo procurador da República, Rodrigo Timóteo Costa e Silva e pelo promotor de Justiça de Meio Ambiente, Emério Mendes porque a prerrogativa de presença do Ministério Público na mesa diretora, prevista em lei, não foi respeitada e porque seu formato não garantia a participação efetiva da população.
As manifestações populares começaram às 8h00 da manhã em frente ao ginásio e se intensificaram a partir das 14h quando os participantes começaram a chegar.. Os manifestantes criticavam o IBAMA por não autorizar o pequeno agricultor a fazer pequenas aberturas para suas atividades de produção familiar mas permitir que florestas e terras produtivas sejam inundadas pelos reservatórios da hidrelétrica. Um boneco representando Antonio Muniz Lopes, presidente da Eletrobrás foi queimado na entrada do Ginásio.
Quando a audiência estava por começar, centenas de manifestantes munidos de faixas, apitos, tambores ocuparam o ginásio entoando "água e energia não são mercadoria!". Foram rapidamente "recebidos" pelas forças policiais que formaram um cordão de isolamento e se fizeram ostensivamente presentes durante toda a audiência.
Cerca de 150 indígenas foram trazidos pela FUNAI para participar da audiência. Representantes de 6 etnias aproveitaram a ocasião para protocolar junto ao IBAMA e FUNAI um requerimento solicitando a realização das oitivas indígenas pelo Congresso Nacional previstas pela Constituição em caso de aproveitamentos hidrelétricos que impactem terras indígenas. São eles os Arara, Assurini, Kuruaya, Juruna, Parakana e Xikrin. Tiveram porém pouca oportunidade para se expressar: as inscrições para manifestações orais privilegiaram primeiramente as falas dos políticos presentes. Sem maiores explicações, os indígenas deixaram o local as 19h e não retornaram.
A mesa diretora foi composta por Valter Cardeal, representante da Eletrobrás, Ademar Palocci, representante da Eletronorte, Paulo Diniz e Roberto Messias, presidente do IBAMA, e pelos consultores da LEME Engenharia responsáveis pelos estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA). Mais uma vez a metodologia de participação nas audiências que reserva somente 3 minutos para as manifestações e a qualidade das informações apresentadas pela mesa diretora quanto aos impactos foram objeto de crítica por parte dos participantes..
Diversas questões permaneceram sem respostas: "Se Belo Monte fosse construído, para onde iriam ribeirinhos, pequenos agricultores que seriam expulsos de suas terras? Quais as distâncias, a localização e os tamanhos das propriedades para onde seriam realocados? Qual a situação fundiária das áreas previstas para realocar a população urbana de Altamira que terá que ser deslocada? Quais os diversos impactos do grande contingente populacional que virá para a região durante a obra e depois de concluída, visto que somente 700 pessoas ficarão empregadas" ? (segundo o EIA, 18.700 pessoas diretamente contratadas, 98 mil pessoas no total).
Muitas pessoas se queixaram da falta de esclarecimentos e de rigor dos estudos apresentados, da superficialidade e omissão de impactos importantes no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que não traz elementos esclarecedores sobre o que de fato acontecerá na vida das pessoas impactadas pela barragem e da linguagem extremamente técnica empregada pela mesa diretora, inacessível para a maioria da população. "Estou indo embora com todos os questionamentos que tinha antes da audiência começar. Não sei o que vim fazer aqui,"afirma uma moradora de Altamira.
Grupos de comerciantes locais se manifestaram em favor de Belo Monte. "A barragem trará desenvolvimento para a região com a criação de novos empregos e a melhoria das moradias principalmente para as famílias que vivem nas palafitas nos Igarapés de Altamira", afirmam eles.
Pesquisadores de diversas universidades do país estiverem presentes. Francisco Hernandez, do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP questiona a viabilidade financeira da obra e esclarece que o cálculo da área diretamente impactada pela hidrelétrica deve englobar as áreas de ressecamento da Volta Grande além das áreas de alagamento, passando então de 516 km2 para 1.522 km2. Ele ressalta que o índice ambiental ("de alagamento") deveria ser refeito utilizando-se a energia firme média (que no caso de Belo Monte corresponde a 39% da capacidade instalada anunciada que é de 11.233 MW) e a área diretamente impactada, o que tornaria os índices ambientais da usina semelhantes a Tucuruí, afirma Francisco.
Presente também na audiência pública, o co-relator Nacional Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma DhESCA Brasil, Guilherme Zagallo adverte que já existem violações nos direitos humanos no processo de licenciamento de Belo Monte, como por exemplo a ausência de tradução dos estudos de impactos ambientais nas línguas indígenas da região, a ausência de intérpretes nas audiências públicas para os povos indígenas, a falta de acessibilidade para pessoas portadoras de necessidades especiais. Ressalta ainda ser fundamental a realização de consultas prévias específicas para as comunidades indígenas já que o Brasil é signatário da Convenção 169 que prevê a realização das oitivas indígenas pelo Congresso Nacional.
Para Antônia Melo, da coordenação do Movimento Xingu Vivo para Sempre e do Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade do Pará, as audiências públicas são meras encenações onde o IBAMA, o setor elétrico brasileiro e os empreendedores fazem belas e modernas apresentações fazendo uso de alta tecnologia para impressionar e coibir a população, mas historicamente não se responsabilizam pelas mazelas sofridas pelos atingidos por barragens em outras regiões do país. Tentam passar através dessas montagens o sentimento para a população de que não tem mais jeito, no intuito de induzir as pessoas a aceitarem que o projeto é a salvação de todos os problemas da região.
O movimento social está bastante consciente de seu papel na luta contra Belo Monte, pela certeza que tem de sua inviabilidade socioambiental e econômica e dos impactos trágicos e irreversíveis para o rio Xingu e os povos da região. Ela reafirma em nome do Movimento Xingu Vivo para Sempre, seu repúdio contra o setor elétrico brasileiro que retrogradamente insiste em construir grandes hidrelétricas cujos impactos são contestados hoje mundo afora.
(Movimento Xingu Vivo* / Adital, 15/09/2009)
* Congrega movimentos sociais, ribeirinhos, trabalhadores rurais e povos indígenas do médio Xingu e da Transamazônica e ONGs locais, nacionais e internacionais