Programa de resposta a crises já recebeu R$ 1 bi, enquanto plano para evitar emergências teve R$ 71,2 milhões
Do total de R$ 1,6 bilhão previsto na Medida Provisória 448, editada pelo governo no fim do ano passado, após as enchentes de Santa Catarina, R$ 1,56 bilhão, ou 97% do total, já havia sido liberado até 3 de setembro, conforme levantamento feito pela ONG Contas Abertas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). A execução orçamentária é boa, mas mal disfarça um dado preocupante: o País gasta muito na assistência a vítimas de desastres e quase nada com a prevenção e em medidas para minimizar danos.
Essa realidade fica clara na comparação dos dois programas federais, um dedicado à "prevenção" e outro à "resposta" a eventos climáticos, inseridos no Siafi. Desidratado de verbas, o primeiro, intitulado "prevenção e preparação para emergências e desastres", teve apenas R$ 17,4 milhões liberados neste ano. Com os restos a pagar do exercício anterior, o valor chega a R$ 71,2 milhões. Já no "programa de resposta aos desastres", destinado a socorrer flagelados, o governo gastou R$ 1 bilhão, sendo R$ 809,2 milhões do Orçamento e R$ 213,8 milhões de restos a pagar.
Alguns itens cruciais do Orçamento, como apoio a obras preventivas de desastres, ações de defesa civil para enfrentamento das mudanças climáticas e estruturação do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), tiveram zero de lançamento neste ano. A União também nada gastou com o item "publicidade de utilidade pública", necessário para a orientação e o esclarecimento das populações residentes em áreas de risco.
Em contrapartida, o Tesouro destinou neste ano R$ 980 milhões para "restabelecimento da normalidade no cenário de desastres" e R$ 642,5 milhões com socorro e assistência às pessoas atingidas por desastres. "Continuamos agindo de forma reativa, socorrendo vítimas depois que a casa cai", constatou o economista Gil Castelo Branco, diretor da ONG.
Ele explicou que isso ocorre, em parte, porque é pouco compensador eleitoralmente investir em obra preventiva, como remover famílias que habitam há décadas na encostas de morros, abrir valas em vias públicas para esgoto, ou aprofundar leitos de rios para conter assoreamento. "Obras de prevenção causam muito transtorno e não dão voto, infelizmente."
As fortes chuvas dos últimos dias reavivaram a lembrança da tragédia vivida em Santa Catarina entre os últimos meses de 2008 e o início de 2009, quando deslizamentos de terra, alagamentos e transbordamentos de rios afetaram mais de 1,5 milhão de pessoas, matando 135 e deixando milhares de desabrigados em 60 cidades. Mais de 30 mil famílias viveram o drama de perder tudo o que tinham.
Do total liberado até agora pela MP 448, R$ 453,4 milhões, mais de 29%, foram para reconstruir casas, cuidar de desabrigados e reconstituir equipamentos públicos destruídos em Santa Catarina. Em segundo lugar veio a Bahia, com R$ 144,6 milhões, seguida do Piauí, com R$ 97,4 milhões. São Paulo, apesar dos graves danos sofridos anualmente por fenômenos climáticos, ficou em 16º lugar, com apenas R$ 23,6 milhões.
Defesa civil nacional
A secretária nacional de Defesa Civil, Ivone Valente, admitiu nesta segunda (14/09) que as ações preventivas do poder público, embora tenham crescido, ainda estão aquém das necessidades, sobretudo porque, na opinião dela, os eventos climáticos se agravam no País, graças ao aquecimento global. "O Brasil não escapa."
Ela ponderou ainda que os números da ONG Contas Abertas podem estar imprecisos, porque os gastos da União com prevenção estão diluídos em diversos ministérios. Ela garantiu que o montante gasto com prevenção provavelmente supera o que se aplica em assistência às vítimas. "Além disso, cabe aos Estados e municípios, primeiramente, as ações locais de prevenção. A secretaria atua em todas as fases dos eventos climáticos, mas acaba aparecendo mais como bombeiro na hora de socorrer as vítimas de calamidades."
(Por Vannildo Mendes, O Estado de S. Paulo, 15/09/2009)