Duas cenas recentes mostram realidades muito diferentes da Índia: num café da manhã para empresários e autoridades econômicas em Nova Déli, o ministro das Finanças do país, Pranab Mukherjee, declarou que a Índia “resistiu à tempestade” econômica global e agora testemunha “brotos” de recuperação na indústria e nos serviços. Centenas de quilômetros ao sul, na aldeia rural de Pipri, em Andhra Pradesh, a única coisa que brota na terra preta que pertence à viúva Chandli Bai são ervas daninhas. Seu campo passou 12 semanas sem chuvas, e sua safra de lentilhas do verão ficou natimorta no chão. “Comemos uma vez por dia”, disse Bai, 65, explicando como ela e sua família sobreviveram.
Durante o último ano, enquanto a crise econômica convulsionava grande parte do mundo, a Índia balançou, mas jamais caiu. E, agora que o mundo começa a sair do atoleiro, o país parece destinado a retomar sua rápida expansão econômica. Autoridades do governo projetam que o crescimento irá alcançar ou superar 6% neste ano e se aproximar de 8% no ano que vem, quase o mesmo ritmo que estabeleceu a Índia como uma potência econômica global emergente, atrás apenas da China.
Mas o cauteloso otimismo econômico tem sido temperado por uma histórica seca estival, que salientou o fato de que muita gente segue em grande parte intocada pelo progresso do país. A nova economia indiana pode se basear nos softwares, nos serviços e na alta tecnologia, mas centenas de milhões de indianos ainda olham para o céu para buscar a subsistência; mais de metade do seu 1,1 bilhão de habitantes depende da agricultura, embora essa atividade represente apenas 17% da economia nacional.
Ninguém acha que a Índia irá enfrentar algum dos surtos de fome que a atingiram décadas atrás; os estoques de grãos do governo podem cobrir qualquer escassez. Mas a seca volta a chamar atenção, novamente, para os problemas que a agricultura indiana enfrenta, já que a população continua se expandindo, e os recursos hídricos ficam sob maior pressão.
Durante a década de 1960, a Índia introduziu uma “revolução verde” que melhorou fortemente a produção de grãos. Agora, muitos analistas propõem uma segunda revolução verde para resolver complicados problemas apresentados pelo aquecimento global, pela rápida redução dos recursos hídricos subterrâneos e pela estagnação na renda dos agricultores.
“Muitos de nós nos deixamos levar e esquecemos que esses problemas existem”, disse Bharat Ramaswami, economista do Instituto Estatístico Indiano. “Precisamos pensar um pouco mais em como este crescimento econômico poderia ser mais bem filtrado para os pobres.”
Meses atrás, o primeiro-ministro Manmohan Singh e seu Partido do Congresso obtiveram uma retumbante vitória nas eleições nacionais, com a promessa de combater a desigualdade, mas o governo ainda não anunciou grandes programas nesse sentido. Um problema agora, ao contrário da década de 1960, é que não há soluções tecnológicas óbvias.
Durante a revolução verde, a Índia introduziu sementes e fertilizantes de alta produtividade e ampliou a irrigação. Hoje, o desafio é mais nuançado, envolvendo um esforço nacional de coordenação para melhorar a irrigação, capturar melhor a água das chuvas e conservar o lençol freático ao mesmo tempo em que a produção aumenta —um tipo de tarefa gerencial complicada, que os críticos dizem raramente ser um ponto forte da burocracia indiana. A cada verão, a Índia aguarda as monções. Em alguns anos, elas trazem chuvas demais e inundações catastróficas; em outros, trazem chuvas de menos. No último verão, a chuva diminuiu cerca de 25%.
A seca pode enganar os olhos. Na aldeia Pipri, como em outras áreas, o verde é evidente, ainda que quase todos os campos sem irrigação artificial estejam raquíticos. Nos últimos dias, as chuvas voltaram a Pipri e a algumas outras áreas, mas não a tempo de salvar a safra de verão, ou “kharif”. Localizada a três horas de viagem do centro tecnológico de Hyderabad, Pipri é uma das milhares de aldeias indianas dizimadas pela seca. Numa tarde recente, a viúva Bai postou-se à beira do seu dilapidado terreno de 3 hectares, com os dedos dos pés envoltos em poeira, enquanto ela gesticulava na direção dos restos da pira usada para cremar seu marido, morto há quatro meses.
Os parentes haviam tomado emprestadas 80 mil rúpias, ou cerca de R$ 2.200, para tratar uma doença renal dele; o fracasso na safra os deixou sem dinheiro para devolver o empréstimo. Só 1 dos 7 filhos dela concluiu o décimo ano do ensino, e nenhum consegue encontrar trabalho fora da terra. “Posso morrer antes de conseguir devolver aquele empréstimo”, disse ela.
(Por Jim Yardley, com colaboração de Hari Kumar, The New York Times / Folha de S. Paulo, 14/09/2009)