Mais bares em áreas residenciais e o aumento da fiscalização contribuem para o aumento das punições
O barulho tem rendido multas recordes na cidade de São Paulo. Segundo os números da Secretaria de Coordenação de Subprefeituras, entre janeiro e julho deste ano, os bares e restaurantes acumularam 417 infrações por ferir a lei do silêncio, marca história desde 2005 - ano em que a fiscalização do Programa Municipal de Silêncio Urbano (Psiu) começou a ser contabilizada. No ano passado inteiro, foram 254 autuações contra os estabelecimentos que ficam abertos após a meia-noite. É um aumento de 64,1%, se comparados os sete meses deste ano com 2008 inteiro.
Os autuados descumpriram a "lei da 1 hora", ou seja, funcionavam durante a madrugada sem isolamento acústico apropriado, sem segurança ou sem estacionamento próximo. Ainda que o segmento noturno seja o responsável pelo aumento dessas penalizações, não é o único que compõe a sinfonia barulhenta da capital paulista. O Psiu fiscaliza o ruído extra de outros estabelecimentos que funcionam a qualquer hora do dia. Nessa categoria, foram 154 multados por barulho excessivo. A média mensal de 2009 está em 22 barulhentos autuados e também indica tendência de aumento. Em 2008, foram 18 penalizados por mês nesta categoria.
Para o diretor do Psiu, Wanderley Pereira, a proliferação de bares em áreas residenciais e o aumento da fiscalização - com novas equipes e parcerias com as subprefeituras - são os dois fatores responsáveis para o aumento das estatísticas. "Há 60 fiscais ligados apenas ao Psiu. Intensificamos as inspeções e a tendência é que o número de autuações cresça", afirmou.
A fé em xeque
Se na madrugada os bares são campeões de infração, a poluição sonora em outros horários é orquestrada especialmente pelas igrejas e seus fiéis. A preocupação com os templos é tanta que, em julho, o Psiu procurou o Ministério Público na tentativa de solucionar o problema. Foi proposto ao promotor do Meio Ambiente, José Ismael Lutti, que um termo de ajustamento de conduta (TAC) fosse assinado pelas casas religiosas - de qualquer credo - na tentativa de "abaixar um pouco o tom". Para sair do papel, o promotor estuda a melhor forma, como reunir as congregações e os maiores templos para a medida. Segundo Lutti, o termo deve ser proposto por causa do incômodo à saúde auditiva.
Os ouvidos do analista de sistema Leandro Zavitoski, de 29 anos, são testemunha de como a reza pode alcançar decibéis insuportáveis. Em 2006, ele decidiu mudar de casa. Encontrou a residência que parecia perfeita, no bairro do Limão, zona norte. Mas a "paixão à primeira vista" ocorreu de manhã, num dia de semana. A mudança foi na quarta-feira e o primeiro domingo na casa nova revelou que nem tudo era perfeito. "Era vizinho de parede com uma igreja. Difícil suportar o barulho."
Leandro acionou o Psiu algumas vezes - sem sucesso - e, em parceria com o irmão, Mario Luiz, resolveu conduzir um protesto virtual. Eles criaram o site Deus Não É Surdo (www.deusnaoesurdo.com.br/), em que colocam informações sobre igrejas que desafiam a saúde auditiva, além de abrir espaço para pessoas que sofrem com o mesmo problema. "No início do ano, o site alcançou 1 milhão de acessos. Ficamos bem surpresos de encontrar tantas pessoas afetadas pelo barulho dos fiéis."
O protesto bem-humorado também informa que diferentes religiões promovem poluição sonora. Na enquete sobre qual igreja "perturba o seu sono", Universal do Reino de Deus, Assembleia de Deus, centros de umbanda e a Igreja Católica foram bem votadas, com pontuação quase igual. Os irmãos não são mais vizinhos da igreja que originou o site. "E, antes de escolher a nova casa, investiguei para ver se não tinha nenhum templo por perto."
Mais reclamação
A estrutura do Psiu ainda esta aquém da necessidade de conter tanto barulho. As multas aplicadas contra os locais que tiram o sossego de São Paulo representam apenas 2% do total de reclamações recebidas entre janeiro e julho (19.873 no total). Henrique Cambiaghi, conselheiro da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea), lembra que, além de igrejas, casas noturnas e bares, o trânsito também é vilão.
"A doutrina da poluição visual foi uma conquista (Lei Cidade Limpa). A poluição do ar começa a ser combatida agora. Uma terceira etapa deve ser a sonora", diz ele. "Vegetação é uma boa maneira de atenuar ruído. E a inspeção veicular poderia avaliar também barulho."
(Por Fernanda Aranda, O Estado de S. Paulo, 14/09/2009)