Grupo ganha força ao defender o confronto para pressionar por novas desapropriações, desafiando o comando do movimento
As invasões de fazendas em São Gabriel e do prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Porto Alegre, são a parte visível de uma luta pelo poder travada por dois grupos políticos dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). De um lado, há os sem-terra ligados a Mário Lill, que seguem a linha oficial do movimento. Na outra ponta, estão os líderes da Frente de Massa, um setor do movimento que cuida das mobilizações e tem como expoentes Ivonete Tonin, a Nina.
A linha oficial tem como cerne de suas ações a sintonia entre os interesses dos sem-terra com os seus aliados estratégicos no governo federal. A Frente de Massa aposta no confronto como meio de forçar o atendimento de suas reivindicações.
No mês passado, em São Gabriel, houve uma divergência entre as duas linhas. Por entender que o Incra estava em estágio avançado de negociações de desapropriações na região, a direção do MST desaconselhou invasões. A Frente de Massa discordou e forçou a invasão da Fazenda Southall. A ação de despejo feita pela Brigada Militar (BM) resultou na morte do sem-terra Elton Brum da Silva, 44 anos.
Dias depois do episódio, o Incra anunciou a desistência de uma de suas desapropriações em São Gabriel – uma área de 7 mil hectares que seria comprada por R$ 39 milhões para assentar 400 famílias.
O anúncio do cancelamento ocorreu depois de o juiz federal de Santana do Livramento, Belmiro Krieger, pedir uma perícia no preço das terras. Na ocasião, o superintendente do Incra, Mozart Dietrich, afirmou que desistira do negócio devido a problemas entre os herdeiros. O problema até existe, mas o pano de fundo da decisão é outro: uma queda de braço entre a Frente de Massa e os técnicos do instituto.
Grupos divergem sobre o número de sem-terra no RS
O grupo de sem-terra afirma que há 2 mil famílias acampadas à espera de assentamento no Estado. Os técnicos falam que o número é pelo menos 50% menor e que o estoque de terras desapropriadas dá conta das necessidades. Também defendem que a prioridade deve ser a montagem da infraestrutura para as 1,6 mil famílias assentadas nos últimos meses.
A direção nacional do MST concordou com os argumentos dos técnicos do Incra. A Frente de Massa não aceitou e retaliou. Na terça-feira, um grupo de famílias invadiu o prédio do Incra, em Porto Alegre. No dia seguinte, a Frente de Massa organizou a nova represália: a invasão em áreas da família Antoniazzi para forçar a desapropriação dos 7 mil hectares de São Gabriel. O Incra reafirmou, semana passada, que não negociará a área.
Diante do impasse, a tendência é de que a rivalidade interna se intensifique ainda mais. Para não perder as rédeas do MST, o comando pode responder com ações radicais às afrontas da Frente de Massa.
As forças sob confronto
DIREÇÃO DO MST
Conheça os dois grupos que divergem sobre as estratégias na luta pela terra dentro do MST:
- É escolhida entre os acampados e assentados durante o encontro estadual, que costuma ocorrer em janeiro.
- Segue pauta montada durante um encontro nacional do movimento. A visão política dos líderes é orientada por um boletim semanal que avalia a conjuntura nacional feito pelo assessor do MST, João Pedro Stedile
- Como o MST depende de financiamentos oficiais para tocar as lavouras dos assentados e outros setores, como a educação, a relação entre os líderes dos movimentos e os técnicos governamentais é pautada pela negociação
FRENTE DE MASSA
- Nasceu para estreitar os laços entre o movimento e a comunidade. Seus líderes são os responsáveis por dar entrevistas à imprensa
- Também tem a missão de buscar novos integrantes, entre os desempregados na cidade, por exemplo
- No Rio Grande do Sul, a Frente Ampla conta hoje com cerca de 60 integrantes
- Ao contrário do comando estadual e nacional do movimento dos sem-terra, que aposta na negociação, o grupo acredita que só com a radicalização das ações, o movimento consegue ser ouvido
Holofotes dão fôlego à Frente de Massa
Nascida em 1989 com o objetivo de fazer a ligação da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com a comunidade, a Frente de Massa conseguiu extrapolar suas forças e se tornar um poder paralelo dentro da organização no Rio Grande do Sul.
O crescimento do grupo motivou uma avaliação em reunião da direção do MST, na semana passada. No encontro, os sem-terra perceberam que o avanço se deve ao fato de a Frente de Massa ter se transformado na face visível da organização. São os seus líderes que dão entrevistas e ganham os holofotes da mídia, enquanto a direção segue uma rotina burocratizada e tem suas ações determinadas por uma pauta previamente aprovada em intermináveis reuniões.
Na opinião da ala dos chamados dirigentes históricos do MST a radicalização que se instalou na Frente de Massa tem como explicação o fato de pela primeira vez na história a maioria, entre os seus 60 componentes, ser de mulheres, entre elas a Ivonete Tonin, a Nina.
A história da Frente de Massa pode ser dividida em três partes. Na primeira fase, ela substituiu as organizações que orbitavam ao redor do MST, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que tinham a tarefa de arrebanhar militantes no meio rural para participar das invasões e acampamentos. A etapa seguinte, a partir de 1995, ganhou uma segunda tarefa: vender a imagem do movimento para a opinião pública. Por último, desde 2002, o grupo também passou a buscar desempregados urbanos nas periferias das grandes cidades para transformá-los em sem-terra.
(Por Carlos Wagner, Zero Hora, 13/09/2009)