O quilo da picanha em Brasil Novo, no Pará, custa por volta de R$ 10. Em Natal, no Rio Grande do Norte, paga-se R$ 15, em alguns lugares até R$ 19, segundo conta o fazendeiro Sebastião Paulino de Araújo, dono de 150 cabeças de gado criadas em um terreno de cem hectares, na divisa entre Brasil Novo e Altamira. Ele está informado porque esteve recentemente visitando sua terra natal, trocada pelo Pará há 30 anos. Tião, como gosta de ser chamado, acredita que os preços da carne paraense vão melhorar quando as obras da usina hidrelétrica de Belo Monte começarem. Francisco Fernandes de Oliveira, que tem 50 cabeças de gado na cidade de Medicilândia, concorda com Tião e diz que o "povo" que vai chegar junto com a usina gosta de comer carne.
Os dois, claro, são a favor de que a usina de Belo Monte vá a leilão neste ano e estavam ontem na primeira audiência pública realizada pelo Ibama, no Clube Esportivo Municipal de Brasil Novo. O tom de concordância, exemplificado pelos dois pequenos fazendeiros da região na curva do rio Xingu, e que predominou durante as mais de cinco horas de audiência, dá os sinais de que governos e população já não se preocupam tanto com os impactos ambientais e querem agora discutir as compensações financeiras que terão. O representante do governo do Estado do Pará foi taxativo ao dizer que a usina só sairá do papel se o governo federal publicar em edital os compromissos com a região.
De qualquer forma, o tom amistoso pode não se repetir nas cidades de Vitória do Xingu e Altamira. É neste fim de semana que o Ibama, juntamente com a Eletrobrás , apresenta à população destes municípios os principais pontos do estudo de impacto ambiental da usina.
Espera-se um maior debate nestas duas cidades porque em Brasil Novo havia uma predominância na plateia de pessoas ligadas às empresas envolvidas nos estudos ambientais. Sem contar que a região, a 50 quilômetros de Altamira, não será atingida pelo reservatório que será formado com a obra e que vai obrigar a mudança de 20 mil pessoas de lugar.
Durante a audiência desta quinta (10/09), o procurador da República em Altamira, Rodrigo Costa e Silva, lembrou que, apesar de o evento estar ocorrendo em Brasil Novo, em nenhum momento foram citados os impactos para a cidade e também as vizinhas Ururuá, Placas e Medicilândia. Todas elas terão apenas impactos indiretos da usina. Brasil Novo foi citada rapidamente durante uma das apresentações das propostas do estudo ambiental. As outras cidades sequer foram lembradas. Alguns moradores chegaram a fazer perguntas mais incisivas sobre os impactos na cidade. A única resposta que receberam reiteradamente foi que todos os estudos sobre os impactos estavam bem relatados em algum dos 36 volumes do estudo de impacto ambiental divulgado pelo Ibama.
O procurador , que atua no Ministério Público Federal de Altamira e foi o autor da ação que paralisou o processo de licenciamento neste ano, acredita serem muito pouco quatro audiências - a última acontece na terça-feira em Belém - e pediu oficialmente ao Ibama que sejam realizados mais eventos.
"Este é o primeiro estudo sério apresentado para a usina de Belo Monte", diz o procurador. "Não sou contra o empreendimento, mas as questões ambientais e impactos sócio-econômicos precisam ser muito bem discutidos com a população e até agora não existe uma relação dos recursos que serão destinados às compensações."
Certamente o governo ainda terá que enfrentar novas ações promovidas pelo Ministério Público, talvez até mesmo questionando a forma como a audiência em Brasil Novo foi conduzida. Alguns moradores de Medicilândia, por exemplo, relacionaram o baixo comparecimento da população à audiência, ontem, ao fato de que somente na terça-feira, um dia antes do evento, os cartazes com o anúncio da data do leilão chegaram à cidade.
As audiências estão sendo acompanhadas de perto pelos empreendedores e por representantes do governo federal. Eles lotaram os hotéis da cidade de Altamira. O resultado destas audiências vai definir a possibilidade de o leilão acontecer ainda neste ano.
(Por Josette Goulart, Valor Econômico, 11/09/2009)