Igapó Açu fica nas margens da estrada abandonada que liga RO ao AM. Isolado por caminho intransitável, cidade mais próxima fica a 147 km
O pequeno vilarejo de Igapó Açu, no Amazonas, é a materialização do paraíso. São duas dúzias de casas, espalhadas sobre duas margens de um rio largo, de águas negras e limpas, onde vira e mexe aparece um boto-cor-de-rosa. A população vive principalmente da pesca, e é alheia à insegurança das grandes cidades. Em Igapó Açu ninguém anda com chaves ou dinheiro no bolso.
Às seis e meia da manhã, as crianças passam xampu nos cabelos e pulam no rio. Ao lado, a professora da pequena escola da comunidade lava o rosto e escova os dentes. Pouco tempo depois, estão todos em fila indiana, penteados e cumprimentando o diretor ("entre" na escola de Igapó Açu).
A vida bucólica, contudo, está prestes a acabar. E todos querem isso. Igapó Açu é uma das poucas vilas trespassadas pela BR-319, a rodovia que liga Manaus a Porto Velho. Construída na década de 1970, ela tem 890 km e já foi asfaltada, mas hoje a maior parte de seu caminho está abandonado e sem condições de tráfego (faça um "tour virtual" pela BR-319).
O vilarejo foi esquecido no tempo junto com a estrada, e é o primeiro aglomerado de casas após um trecho desabitado de quase 200 km para quem vem da capital rondoniense. Para quem vem de Manaus, são 147 km depois da última cidade, Careiro (AM), dos quais 40 km são impraticáveis na época das chuvas.
Entre os habitantes do lugar, a opinião é uníssona: todos querem a reforma da estrada, que faz parte do Plano de Aceleração ao Crescimento, mas está parada por falta de licença ambiental. Segundo pesquisadores e ambientalistas, a reconstrução da BR-319 poderia abrir as portas de um lugar preservado para a invasão de grileiros e madeireiros, como ocorreu recentemente com rodovia BR-163, que liga Cuiabá a Santarém (PA).
Inverno = inferno
O paraíso, contudo, só existe na seca. No início do ano, durante o chamado “inverno amazônico”, Igapó Açu sofreu seus piores dias. Choveu além do esperado e as casas, todas na beira do rio, ficaram alagadas. A rodovia, que já é ruim sem chuva, acabou-se em lama. “Não conseguíamos andar na estrada nem de bicicleta”, conta Nilda Castro dos Santos, presidente da associação de comunitária.
No auge do isolamento, com parentes doentes, despensa vazia e sem dinheiro, alguns moradores desistiram de ir sair dali por terra: entraram no pequeno barco que puxa a balsa no vilarejo e levaram três dias para chegar até Manaus. Mesmo no tempo de seca, porém, pouca gente consegue sair de Igapó Açu. Apenas um morador tem carro particular, e o único transporte público é um caminhão da prefeitura, que vai até careiro a cada quinze dias. A solução é a bicicleta e a carona.
Mudança
Os moradores têm consciência de que a reconstrução da estrada pode tirar a paz que impera no vilarejo, mas mesmo assim querem asfalto novo na rodovia. “Sei que vai mudar muita coisa. Não vou poder mais dormir de porta aberta, as casas não vão mais poder ficar onde estão, mas precisamos da estrada. Oro por Deus que ela saia do papel, mas é difícil de acreditar”, afirma Nilda.
(Por Iberê Thenório, Globo Amazônia, 10/09/2009)