Quem engana e quem está sendo enganado? É o que pergunta Peter Russel, ao questionar a compatibilidade do “desenvolvimento sustentado” com a civilização ocidental. Apresentamos, aqui, um resumo do texto, que pode ser lido na íntegra, no original em inglês.
Há vários conceitos de desenvolvimento sustentado. Em quase todos, há um princípio comum, o de que não devemos degradar o planeta. As conseqüências de uma catástrofe ambiental são tão aterrorizadoras – o fim da civilização como a conhecemos; talvez o fim da própria humanidade – que raramente há indagação sobre se as concepções de desenvolvimento sustentado são adequadas ou realistas.
Para assegurar a escolha de caminhos apropriados e efetivos, é preciso por em cheque suas premissas fundamentais e verificar as conseqüências que delas decorrem.
O crescimento é sustentável?
O primeiro questionamento diz respeito à compatibilidade do desenvolvimento sustentado com o crescimento, isto é, com o crescimento da população e com o crescimento industrial. A expectativa é de que a população humana dobre nas próximas três décadas, o que significa não apenas o dobro de bocas a alimentar e de corpos a alojar, como o dobro da produção industrial, o dobro de consumo e o dobro de poluição.
Costuma-se saudar cada percentual de aumento do PIB como se a salvação houvesse chegado. Mas um percentual de 5% ao ano significa, em trinta anos, um acréscimo de 250% na produção, consumo e poluição; em 100 anos, um aumento de 13.000%.
É verdade que novas tecnologias, mais limpas e eficientes, poderão reduzir a poluição, mas isso apenas reduziria o percentual para 1.300%. É verdade, também, que o aumento dos processos de informação, em detrimento dos processos de manufatura, diminuirá a taxa de poluição. Mas a diminuição do grau de poluição não elimina o problema, apenas retarda a crise por alguns anos, o que – qualquer que seja a definição – implica, a longo prazo, negação da própria idéia de desenvolvimento sustentado.
Crescimento zero
Em seu recente livro, “The Growth Illusion”, o economista Richar Douthwaite mostra que uma economia verdadeiramente sustentável exigiria crescimento zero. Salienta que, apesar de suas promessas, o crescimento pouco fez, nos anos recentes, para elevar a qualidade de vida. A promessa de mais empregos foi desmentida pelo desemprego, gerado pela eficiência e produtividade introduzidas pelas novas tecnologias. O crescimento econômico continuado tem enriquecido alguns e empobrecido muitos mais. Pior: tem prejudicado o ambiente, empobrecido o solo, poluído os mares e o ar. Criou o efeito estufa, diminuiu o camada de ozônio e desencadeou uma vasta gama de desastres ambientais.
Mas crescimento-zero é uma idéia desconfortável para a maioria dos economistas e políticos. E é compreensível que assim seja. O capitalismo ocidental não pode sobreviver sem crescimento. Economias nacionais e empresariais são compelidas a se expandir para evitar um colapso. Aqui, o conflito fundamental. Queremos assegurar o futuro da humanidade, mantendo o próprio sistema que a está conduzindo para o abismo.
O que, em maioria, os defensores do desenvolvimento sustentável preconizam é pouco mais do que um crescimento econômico mais eqüitativo e mais preocupado com o meio-ambiente. Dificilmente desafiam a premissa de que o crescimento econômico é essencialmente benéfico.
A livre-empresa é sustentável?
Questionar a sustentabilidade do crescimento implica pôr em discussão a sustentabilidade do sistema capitalista de livre-empresa, o que pode ser ainda mais difícil, porque, na mente de muitos, ela tem o status de uma religião, caracterizando-se como heresia qualquer dúvida a respeito.
O interesse próprio leva indivíduos e empresas a tangenciar a lei ou a fazer o mínimo possível, e não o máximo, para proteger o ambiente. A mão invisível do interesse próprio promoveu o bem estar das comunidades nos tempos de Adam Smith e a economia baseada na livre-empresa foi muito bem sucedida na implementação da Revolução Industrial. Levantou o nível de vida e nos propiciou muitos bens pessoais, como automóveis, ar condicionado e vídeo-câmaras portáteis. Mas é preciso questionar se ainda é valiosa numa comunidade global, com problemas globais. Desenvolvimento sustentável é, sem dúvida, do interesse de indivíduos e empresas. O problema é que os passos necessários para torná-lo realidade não são de interesse imediato – e é o interesse imediato que governa as ações.
Os juros são sustentáveis?
Os juros exacerbam a crise global. Para que sejam pagos, é preciso aumentar a quantidade de moeda em circulação, o que provoca inflação, que é compensada, tanto quanto possível, pelo aumento da riqueza, donde a necessidade de crescimento econômico continuado.
Dadas suas desastrosas conseqüências a longo prazo, caber perguntar se o pagamento de juros é compatível com desenvolvimento sustentado. Se não é, será preciso criar um sistema econômico totalmente diferente, que não se baseie no poder de extrair dinheiro do dinheiro, o que constitui a essência da usura.
A democracia ocidental é sustentável?
Outra questão que precisa ser discutida é o da compatibilidade do desenvolvimento sustentável com um sistema democrático em que os líderes precisam atender aos interesses dos eleitores. Líderes eleitos necessitam do voto popular, que é fortemente influenciado pelo que o povo pensa que os políticos podem lhe propiciar a curto prazo, o que, em muitos casos, não se compadece com o desenvolvimento sustentável.
É por isso que os partidos verdes europeus não conseguiram êxito. Os eleitores começaram a se dar conta de que votar por um ambiente saudável implicava, em última análise, votar contra o crescimento, contra o consumo sem freios, contra baixos impostos e pela perda de muito do conforto e das conveniências pessoais. Quem votaria para isso? O fato de que, em vinte anos, poderemos nem estar aqui, se não forem tomadas medidas adequadas, é uma consideração demasiado distante.
A liberdade individual é sustentável?
Dada a liberdade individual, pode-se esperar uma opção pelo desenvolvimento sustentável, uma vez compreendida sua necessidade? Não, porque estamos demasiado presos ao nosso estilo de vida. Não nos digam que devemos muda-lo. O problema não está em nós. É na Europa Oriental e no Terceiro Mundo que as mudanças precisam ser feitas.
Mas a verdade é que somos todos responsáveis. Quase todos estão conscientes, hoje, de que os automóveis são grandes produtores de dióxido de carbono. Mas quantos abandonaram seus carros? E por que não?
Um motivo é que acreditamos que isso faria pouco diferença. Se a vasta maioria continua a agir como antes, por que iríamos nós fazer sacrifícios pessoais, que não farão qualquer diferença mensurável? A única diferença seria um decréscimo de nosso conforto e de nossa conveniência pessoais. E isso não é de nosso interesse.
A equação interna
A finalidade do questionamento das premissas do desenvolvimento sustentável não é o de invalidá-las, mas descobrir aspectos do problema que, de outro modo, ficariam escondidos, e assim chegar a conclusões mais apropriadas e efetivas. O que emergiu de nossos questionamentos é um aspecto psicológico crítico. Um importante impedimento à sustentabilidade não está “lá fora”, no complexo sistema global que estamos tentando manejar; está dentro de nós: nossa cobiça, nosso desejo de poder, nosso amor ao dinheiro, nosso desejo conforto, nossa vontade de não criarmos inconveniências para nós próprios. De uma forma ou de outra, é nosso egoísmo que está tanto a criar o problema quanto a impedir de resolvê-lo.
Muitos advogam a necessidade de aplicar métodos sistemáticos à crise global. Não podemos mais considerar isoladamente problemas como a diminuição da camada de ozônio ou das florestas tropicais, mudanças climáticas, extinção de espécies, escassez de recursos, poluição e fome. Os diferentes aspectos da crise global estão conectados como parte de um sistema maior – um sistema que inclui não apenas parâmetros ambientais, mas também sistemas econômicos, modelos políticos e tensões sociais.
O que está ficando claro é que o método sistemático precisa ser expandido ainda mais, para incluir não apenas fatores materiais externos, como também os fatores internos, de ordem psicológica, que afetam nosso modo de responder à crise. Para enfrentar a crise do sistema ambiental, precisamos expandir nossos referenciais e incluir também a dimensão adicional do interesse próprio.
Quero deixar bem claro que não desejo denegrir o interesse próprio, absolutamente essencial para nossa sobrevivência. Para assegurar que as criaturas tomem cuidado elas próprias, a natureza criou um monitor interno. Se uma situação é prejudicial ao interesse próprio, cessamos de nos sentir bem. Evitar sofrimento e retornar a um estado de bem-estar interno constitui nossa mais fundamental motivação. Nas palavras do Dalai Lama, “em última análise, cada um busca a paz da mente”.
Uma presunção errônea
Paz da mente pode ser nosso primeiro objetivo, mas é claro que a vasta maioria não vive nesse estado. Às vezes, eventos inesperados interferem em nossos melhores planos. Outras vezes, calculamos mal o que nos fará sentir melhor. Podemos ver desafiadas nossas expectativas. Ou podemos nos perguntar se estaremos ou não melhor no futuro.
Em quase todos os casos, a razão pela qual não encontramos a paz que procuramos é que a buscamos no lugar errado. Buscamo-la no mundo externo, por ser o que melhor conhecemos. Sabemos como mudar este mundo, como obter riquezas, como conseguir que pessoas e coisas se comportem como desejamos – o caminho que, pensamos, nos trará felicidade. Conhecemos muito menos de nossas mentes e como encontrar realização dentro de nós próprios.
Viciados no mundo material
É a errônea crença de que nosso bem-estar interior depende das coisas ao nosso redor que está por trás de nossa conduta auto-centrada e de curta visão. É por isso que consumimos muito mais do que necessitamos. Eu seria feliz, se tivesse o suficiente, dizemos a nós mesmos.
Ficamos viciados no mando material. Como alguém quimicamente dependente, queremos nos sentir bem interiormente. Por isso nos ligamos ao que, acreditamos, nos fará sentirmo-nos melhor. Mas, porque nada pode satisfazer aquela necessidade interior, o efeito logo desaparece e vamos em busca de outra dose. Essa é a principal razão pela qual resistimos a fazer o necessário para criar uma civilização sustentável. É por isso que amamos tanto o dinheiro. Ele nos dá poder para comprar coisas, ou experiências, ou mesmo relações que, achamos, nos fará felizes. Mais dinheiro, mais felicidade – ou assim pensamos.
Essa é outra razão pela qual nosso sistema econômico tornou-se tão dependente do crescimento. Acreditamos que a prosperidade material conduz à paz interior. Isso pode ser verdadeiro para quem não tem alimentação adequada, alojamento ou água limpa para beber. Mas a maioria, nos países mais desenvolvidos, já tem essas necessidades inteiramente satisfeitas. Mas não sabemos onde parar. Ficamos presos à idéia de que seríamos mais felizes, se tivéssemos mais riquezas, mais poder de compra, mais oportunidades e mais bens.
Uma crise de consciência
A verdadeira crise que enfrentamos não é ambiental, populacional, social ou política. É, na sua raiz, uma crise de consciência. Crise é uma indicação de que um modo de operar já não funciona, sendo necessário outro.
No caso do ambiente, o velho modo que já não está funcionando é nossa consciência materialista e auto-centrada. Pode ter funcionado no passado, quando precisávamos prover a necessidades básicas para nosso bem estar – mas claramente já não funciona nos dias atuais. Nosso desejo de eficiência econômica vem despejando lixo nos oceanos, na atmosfera e no solo, ultrapassando as possibilidades de reciclagem do bio-sistema natural.
O que se tornou insustentável é o nosso modo de pensar.
Para desenvolver políticas realmente sustentáveis, precisamos mudar não apenas nosso comportamento, mas também nossa consciência.
A mudança verdadeira
Será possível libertarmo-nos de um modo ultrapassado de consciência? Penso que sim. Não se trata de nada extraordinário, mas apenas de uma aceleração de um processo normal de maturação. Quando pensamos nos idosos de uma sociedade, pensamos na sabedoria dos que têm muitos anos de experiência. Com ela vem a constatação de que as coisas que temos ou que o mundo oferece não são tão importantes quanto antes. O desejo de lutar por realização material dá lugar a uma aceitação das coisas como são.
O desafio de nosso tempo é encontrar meios de acelerar esse processo natural de maturação, de modo a que possamos contar com essa sabedoria, quando iniciamos nossa vida adulta, mais do que quando nos aproximamos de seu fim.
Precisamos, talvez, de um projeto psicológico equivalente ao lançado por John Kennedy, ao lançar o desafio de chegar à lua em dez anos. A nova fronteira que precisamos urgente dominar não é o espaço exterior, mas o interior. Suas fontes podem ser encontradas nos grandes ensinamentos espirituais, em muitas filosofias, em várias psicoterapias, e nos campos emergentes da psicologia humanística e trans-pessoal.
É necessário um programa de pesquisa e de desenvolvimento para descobrir como liberar nossas mentes do materialismo e ingressar num modo mais maduro de funcionamento.
A cura de nós mesmos
Ao encerrar, quero deixar clara uma coisa. Não estou sugerindo que devamos nos concentrar unicamente em nosso desenvolvimento interior. Precisamos fazer tudo quanto possível para impedir novos danos à camada de ozônio, manter as florestas tropicais, deter o efeito estufa, reduzir a poluição, etc. Mas precisamos também ter em mente que esses problemas são apenas sintomas de outro, subjacente e mais profundo.
(Por Peter Russel, Páginas de Direito / EcoDebate, 01/09/2009)