Talvez a pequena Guaraciaba, no Oeste, nunca tenha se enxergado tanto nos noticiários. Tristemente, a visibilidade veio à custa de uma das maiores tragédias climáticas do Estado e, com certeza, a maior da cidade de 10 mil habitantes. O tornado que atingiu a região na segunda-feira (07/09) deixou um rastro de destruição e quatro mortes por lá. A repórter Lilian Simioni e o fotógrafo Diego Redel contam a história de quem perdeu tudo e, abaixo de chuva, busca forças para recomeçar
As lentes tentam capturar e as palavras descrever, mas é muito difícil explicar o panorama de uma cidade devastada. A cada rua, uma triste surpresa. A cada comunidade, mais e mais estragos que justificavam facilmente o decreto de calamidade pública. Olhar nos olhos das pessoas parece a forma mais simples de entender o que se passou e ainda se passa em Guaraciaba, no Extremo-Oeste de Santa Catarina. É um misto de espanto, medo, ansiedade com o futuro e dor. Uma dor pesada, que faz a resignação ainda ser mais forte do que a vontade de reconstruir. Uma dor quase paralisante.
Nem o governador Luiz Henrique da Silveira conseguiu chegar para ver o cenário. A chuva não deu trégua. Mais uma vez, Santa Catarina chora seus mortos, conta seus desalojados e desabrigados e tem 32 cidades em emergência.
Nas ruas de Guaraciaba, Marias, Pedros, Paulos e Joanas não querem saber se foi um tornado ou qual o termo técnico que dá nome àquele fenômeno meteorológico. As histórias se sobressaem. Ouvem-se muitos: “foi horrível”, “não sobrou nada”, “não sei o que vou fazer”, “nunca vi coisa igual”. Na lamentável contabilidade da tragédia, é quase impossível acreditar que com 60 casas completamente destruídas, apenas quatro pessoas tenham morrido.
89 feridos
Quem ajudou ou continua ajudando os vizinhos também foi prejudicado. Mesmo assim, contribui com o que pode para diminuir o sofrimento de quem realmente perdeu tudo. Na noite de segunda-feira, Odair Kessler, 43 anos, teve parte da casa destelhada e perdeu todo o galpão de sua propriedade, na comunidade de Linha 24. Por volta de 22h30min, avistou a casa do vizinho completamente destruída. Os sobreviventes já tinham sido levados, mas o corpo de Odalice Schwab ainda estava a 50 metros da casa.
– Na hora vi que ela estava morta. Cobrimos com um pano e uma lona. Fiquei até a madrugada esperando que levassem o corpo. Achei que eu estava precisando, mas quando vi, tinha gente muito pior. É muito triste. A gente é simples, mas todas as famílias preservam o pouco que têm para passar para os filhos, e de uma hora pra outra a gente perde tudo – contou o agricultor, emocionado durante o velório de Odalice e do sogro da vizinha, Edvino, 94 anos.
Vanderlei, 22 anos, filho de Odalice, olhava sem acreditar para o pouco que restou da casa onde moravam os pais e o avô. E olhava daquela forma com razão. Ninguém sabe onde foi parar quase toda a madeira da construção. O pai, Pedro Paulo, que está internado, não quer mais voltar. Se for para construir uma nova casa, é para vender todo o terreno de 24 hectares.
A família está tão devastada quanto a cidade. Na última semana, Ari Schwab, 49 anos, neto de Edvino, morreu de gripe A. Metros adiante, o silêncio de uma casa derrubada não foi quebrado por um cachorro todo molhado em cima do que foi a casa e o galpão de uma família. Pela persistência em ficar no lugar, é provável que ali sentisse o cheiro de seus donos, três dos 89 feridos da cidade, e que se abrigaram na casa de parentes. Sirlei Finger, amiga da família, foi tentar ajudar, procurando utensílios e documentos.
Mas até as panelas estavam retorcidas. Na cidade, segunda maior produtora de leite do Estado, de acordo com o agrônomo da Secretaria de Agricultura do município, Leonir Villy, existiam 15 mil cabeças de gado leiteiro em 2006.
A produção de leite foi de 57 milhões de litros em 2008, e o movimento econômico chegou a quase R$ 23 milhões. Agora, sem luz, as coisas vão ficar mais complicadas. A seca do início do ano já trouxe dificuldades. Sem ter como plantar o pasto, os produtores perderam, já que os animais ficaram debilitados. Agora, mais desafios.
Falta de luz
A ordenha mecânica ainda é possível de ser feita com o motor dos tratores. O grande problema está no resfriamento do leite, que perde sua qualidade em poucas horas se ficar em temperatura ambiente. Evandro Marcos Lautério, 25 anos, foi obrigado a jogar cem litros fora pela falta do resfriador.
Outra dificuldade está em encontrar os animais. Muitas vacas são vistas circulando pelos pastos e estradas. A falta da luz desativou as cercas elétricas, que mantinham as vacas nas propriedades. O medo é de não poder ordenhar, o que pode gerar uma inflamação no úbere comprometendo a saúde das vacas.
Foi por isso que Dércio Ludwig, 63 anos, foi inclusive para terrenos vizinhos com sua filha para tentar recolher as 16 vacas de seu rebanho. Ontem ele também precisou descartar 400 litros de leite por falta de resfriamento.
Se falta luz, sobra calor humano. Todos querem ajudar de alguma forma e alguns realmente se doam. Na casa de Ladi Maria Schneider, 54 anos, a família cresceu de cinco para 20 pessoas. Com um jeitinho aqui e outro ali, todos dormem e comem. A água potável foi improvisada, já que a do poço não chega sem a energia do motor. Baldes foram colocados nas calhas para a coleta da água da chuva, que pelo menos para isso está sendo útil neste momento.
Na beira da BR-163, no Km 90, a destruição virou atração. Os carros paravam para que, debaixo de chuva, as pessoas conferissem o que é difícil explicar. Quem teve pelo menos parte da casa intacta agradecia.
– Graças a Deus que ficou em pé – disse Regina Santin, 67 anos.
Religiosa, ela pediu que Deus pegasse em sua mão, enquanto ela segurava a janela. Ninguém da família se machucou, e isso foi motivo de emoção na comunidade onde Regina vive, Guataparema. Lá, não foi possível contar com o abrigo na casa de vizinhos. Foram raras as residências que ficaram em pé.
Nas proximidades, a Escola Júlio Vicente de Pelegrin teve todo o telhado levado pela ventania. A diretora Carli Teresinha dos Santos chorou pelos livros, pelos computadores e por todo o carinho e dedicação empenhados no trabalho de ensino às crianças.
Prejuízos para 64 cidades
Ainda não é possível contabilizar todos os prejuízos causados pelos ventos fortes e três tornados que atingiram 64 cidades e 88,1 mil catarinenses. Até ontem à noite, 75 mil estavam sem energia elétrica. A situação mais grave é a do Extremo-Oeste, onde o temporal derrubou seis torres da linha de transmissão em São José do Cedro. O cenário de desolação e devastação no Estado é grande. Cerca de 17,8 mil pessoas em Santa Catarina tiveram que deixar as suas residências e aguardam por ajuda e solução.
(Por Lilian Simioni, Diário Catarinense, 10/09/2009)