Proposta, estimada em cerca de R$ 9 bilhões, colocaria o empresário no bloco de controle da mineradora
O Bradesco disse não ao empresário Eike Batista. A proposta de compra da participação acionária que o banco tem na Vale, apresentada por Eike semanas atrás, foi recusada na sexta-feira (04/09). Se fosse bem-sucedida, a operação levaria o empresário ao grupo de controle da mineradora. Contando a oferta aos acionistas minoritários, ele calculava gastar cerca de R$ 9 bilhões. A direção do Bradesco disse a Eike que está satisfeita com o retorno proporcionado pela Vale e que não tem interesse em se desfazer da posição. Procurado, o Bradesco não se manifestou.
Intermediada pelo banqueiro André Esteves, do grupo financeiro BTG, a operação tinha a simpatia do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que acompanha a evolução dos acontecimentos de perto. Trata-se de um apoio importante, em razão da grande influência do governo na Vale - por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (Previ), acionistas da mineradora.
Foi por isso que Mantega participou, na terça-feira (08), da reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente da Vale, Roger Agnelli, e com o presidente do BNDES, Luciano Coutinho. Criticado publicamente por Lula após reduzir investimentos e demitir durante a crise, Agnelli foi a Brasília para tentar convencer o presidente de que, apesar dos cortes, a Vale é a empresa privada que hoje mais investe no País. O esforço de persuasão, portanto, estava dirigido também a Mantega.
A aproximação entre Eike e o Bradesco foi feita por André Esteves. Amigo do empresário, Esteves tem acesso a Lázaro Brandão, presidente do conselho de administração do Bradesco. Mas seus principais contatos são ex-executivos do BCN (comprado pelo Bradesco nos anos 90), como os vice-presidentes José Luiz Acar Pedro e Júlio Araújo.
O plano de Eike era comprar a Bradespar, empresa que reúne os ativos não financeiros do Bradesco. É por meio dessa empresa que o banco participa do bloco de controle da Vale, junto com um grupo de fundos de pensão de empresas estatais liderado pela Previ, com o BNDES e com o grupo japonês Mitsui. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, Eike não quis comentar a operação.
"Muita gente acha que o Bradesco é a parte fraca dessa sociedade. Não é", diz um executivo com acesso a todos os envolvidos. "O banco vai estudar todas as propostas que aparecerem, mas não tem interesse em vender a Vale. Esse é um de seus melhores investimentos". O Bradesco avaliou a proposta de Eike, mas parte da diretoria ficou aborrecida com a investida. Ela ocorreu num momento em que Agnelli - que é indicação do Bradesco - e o próprio banco vinham sendo pressionados a investir na construção de usinas siderúrgicas localizadas em Estados governados por aliados do governo, como o Pará e o Espírito Santo.
Para executivos que participam do processo, setores do governo disseminaram a ideia de que Agnelli e o Bradesco seriam obstáculos a uma atuação mais "flexível" da mineradora. A evolução do negócio com Eike seria uma forma de tirar o Bradesco da Vale. Outra ideia cogitada, mas que não evoluiu, foi a criação de um fundo de empresas nacionais para comprar a participação do Bradesco.
No ano passado, segundo pessoas ligadas à mineradora, Eike tentou vender à Vale duas de suas empresas: a MMX (mineradora) e a LLX (logística). As ofertas foram recusadas e o empresário acabou vendendo parte da MMX à multinacional Anglo American. Nos contatos com o governo, o comportamento de Eike foi usado contra ele.
"Eike vendeu a mineradora dele para estrangeiros. A Vale, ao contrário, nacionalizou empresas multinacionais", diz um executivo. "A Ferteco, a Caemi e a Samitri/Samarco eram controladas ou tinham participação estrangeira e foram compradas pela Vale." O Bradesco continua com a Vale. Se essa situação terá vida longa ou não, vai depender muito da reação do presidente Lula ao encontro de terça.
(Por David Friedlander, O Estado de S. Paulo, 10/09/2009)