João da Costa (o “João da Banana”), Armelino Uber e Iberê Alcebíades Duarte são agricultores há décadas. Há duas semanas, eles tinham esse fator em comum; agora são também trabalhadores apreensivos. Os três têm terras cultivadas em reservas indígenas confirmadas este mês em São Francisco do Sul e Araquari. No grupo de 148 proprietários de terras “não-índios” cadastrados em 2008 pela Funai nas três reservas mais adiantadas na região, há empresas, donos de chácaras e agricultores de pequenas áreas.
A terra indígena Morro Alto, em São Francisco, é a que mais concentra cultivadores. A Associação de Produtores Rurais calcula que a maioria dos 48 proprietários é produtora nas regiões Jacutinga, Morro da Cruz e das Laranjeiras. “A gente não está tendo ideia, parece que a coisa é feita por baixo dos panos”, avalia o presidente Valdemar Macheski, que planta pepino num terreno arrendado nas Laranjeiras. Agricultores mais informados se baseiam nos mapas da Funai para saber o naco de terra que pode ser perdido.
João da Costa, 59 anos, cultiva 60 mil pés de banana e palmeira no morro nas Laranjeiras. Não tem escritura do terreno de 21 hectares, mas guardou o contrato firmado com um tio. “Não me apossei, tenho recibo de compra e venda. Faz 30 anos que cultivo as terras e agora alguém vem e avança?”. João diz sustentar mulher e dois filhos com o bananal. “Não tenho de onde tirar. Dizem que [a reserva] passa pelo morro, mas se pegar lá, quero que me indenizem”.
Para a Funai, a política de indenização é clara. Valem benfeitorias: construções e obras de infraestrutura (abastecimento de água e energia, por exemplo). Cultivos, pastagens, reservas legais e terra nua não são compensados. A previsão é de poucas desapropriações (indenizações). Nos laudos da Funai, com as demarcações das quatro reservas, há a preocupação em não abranger moradias. O conteúdo da frase no laudo da terra Morro Alto se repete nos estudos: “a grande maioria das propriedades é caracterizada por não ter benfeitorias dentro dos limites da terra indígena”.
"Comprei, não vou dar de graça"
Armelino Uber, 56 anos, fica emocionado quando lembra que a reserva indígena Morro Alto toma parte das suas terras. “Comprei a terra, não vou dar de graça. Não saio nem que deixe meu sangue aqui”. Uber mora com mulher e duas filhas na Jacutinga, em São Francisco. Tem um arrozal como fonte de renda da família, mas Uber não se conforma em perder as terras. Lá ele espera crescer eucalipto, aipim, banana e cana.
Em Araquari, Iberê Duarte, de 77, fundou uma empresa de reflorestamento na Corveta. Aposentado, pode perder terras com eucalipto para a Tarumã, cujo núcleo é uma aldeia que ele ajudou a criar. Os índios vivem há 15 anos num lote que Duarte cedeu a uma família guarani. “Autorizei que plantassem para comerem até acharem outro lugar”, conta.
[Confira aqui a localização das terras indígenas.]
(Por Camile Cardoso, A Notícia, 04/09/2009)