Construída em alvenaria, a cozinha sempre foi motivo de orgulho para a família. Todo o resto da casa era de madeira. Por isso, quando começou o vento forte e depois a chuva torrencial em Guaraciaba, no Oeste do Estado, o agricultor Luiz Tersi não teve dúvidas: levou a mulher, Cleusa, e as duas filhas, Juceli, 15 anos, e Ana Paula, nove, para se protegerem atrás da parede de tijolos. Era noite de segunda-feira (07/09), mais uma data para entrar na história das catástrofes naturais em Santa Catarina.
O abrigo, que parecia tão seguro, não resistiu ao vento de mais de 100 km/h e desabou. Um estrondo, gritos de desespero e pânico. Mesmo no escuro, Luiz conseguiu retirar a mulher e a filha mais velha. Ana Paula morreu soterrada. A menina foi uma das quatro vítimas do tornado – confirmado pelo meteorologista Leandro Puchalski, da Central RBS de Meteorologia – que assolou o Oeste catarinense e causou prejuízos em várias regiões do Estado. Todos os mortos moravam no interior de Guaraciaba.
A Defesa Civil do Estado contabilizava, até a noite de ontem, 72 mil pessoas afetadas pelas chuvas e ventos fortes, em 45 cidades. Seis decretaram situação de emergência. Até a noite de ontem, havia 138 feridos, 5,8 mil desalojados e 902 desabrigados, a maioria acomodada em ginásios de esportes e escolas, além de casas de amigos e parentes.
Durante os velórios em Guaraciaba, todos queriam contar suas histórias, de medo, dor e também de solidariedade. O agricultor Mário Schwab, 27 anos, perdeu a mãe, Adalice, 46 anos, e o avô, Edvino Schwab, 94. Eles moravam na Linha Caravaggio, que foi destruída pela tormenta.
O pai de Mário, Pedro Paulo Schwab, também estava na casa, e foi o único que sobreviveu. O vizinho, Ari Turani, disse que a casa da família Schwab simplesmente foi arrancada do chão, e que os corpos de Adalice e Edvino foram encontrados a quase 60 metros do local. Ontem, Mário lembrava que, em julho, levou o avô para visitar a cidade natal, Selbach (RS).
– Ele tinha muita vontade de voltar lá. Parece que eu adivinhei que era o último desejo. Fico confortado por tê-lo atendido – comentou, emocionado, durante o duplo velório. Os dois sepultamentos estão marcados para a manhã de hoje.
O cenário nos municípios atingidos pelo tornado no Oeste, ontem, era de destruição e desolação, repetindo cenas que marcaram as tragédias ocorridas durante a passagem do Furacão Catarina, no Sul do Estado (em 2004), e das enchentes no Vale do Itajaí, em novembro do ano passado. Árvores arrancadas, motosserras trabalhando freneticamente na desobstrução de estradas, pedaços de telhas de amianto pelas ruas, fios de telefone e da rede elétrica caídos no chão. E muita gente chorando, desesperada por ter perdido casas, móveis, carros. Na maioria, pessoas que lutaram muito para adquirir um pequeno patrimônio, que simplesmente foi varrido com o vento e a chuva.
Em Vargem Bonita, no Meio-Oeste, um mutirão foi organizado para que as casas destelhadas recebessem lonas e reparos. Os desabrigados foram levados para o ginásio de esportes, onde há comida e água potável. O auxiliar de produção Fábio Junior da Silva estava no trabalho no momento do vendaval. A mulher e dois filhos pequenos conseguiram fugir antes que a casa caísse em cima do carro, que estava na garagem. A família foi obrigada a passar a noite na casa de vizinhos.
– Fiquei desesperado quando vi o que sobrou da casa. A gente trabalha dia e noite para construir algo e, de uma hora para outra, perde tudo. Pelo menos, minha família está bem – disse Fábio, emocionado.
O tornado deixou cerca de 1 milhão de pessoas sem energia elétrica no Estado. Desde a passagem da tempestade, equipes de emergência da Celesc conseguiram restabelecer o fornecimento a mais de 80% dos consumidores atingidos.
O problema mais grave é no Extremo-Oeste, onde cinco estruturas de uma linha de alta-tensão foram derrubadas pelo vento forte. Guarujá do Sul, Princesa, Dionísio Cerqueira e São José do Cedro estavam sem energia elétrica até ontem.
Os trabalhos de desobstrução das estradas e de restauração da energia elétrica e de água potável devem continuar durante todo o dia de hoje, assim como os reparos nas casas e limpeza. A Central RBS de Meteorologia alerta que as chuvas devem continuar em todo o Estado pelo menos até a sexta-feira.
(Por Viviane Bevilacqua*, Diário Catarinense, 09/09/2009)
* Colaboraram Darci Debona, Lilian Simioni, Francine Cadore e Nanda Gobbi