Temporais que castigaram a Argentina e o Uruguai também mataram no Sul e no Sudeste do Brasil e mutiplicaram cenários de desolação, como em Victor Graeff, no Estado
Em meio a ventania, chuva, raios e o som abafado de orações, a família da gari Roselene de Góis, 34 anos, viveu na noite de segunda-feira uma hora e meia de terror. Ela permaneceu trancada no banheiro enquanto a tempestade derrubava a casa de madeira onde vivia com o marido e os dois filhos em Victor Graeff, no norte do Estado – um dos epicentros do temporal que avançou desde o sul do Estado até o Sudeste espalhando destruição e morte. Pelo menos 17 pessoas morreram em Santa Catarina, São Paulo e na Argentina.
A família de Roselene havia recém tomado em mãos os pratos para jantar, por volta das 20h, quando o vendaval começou. A comida ficou sobre a mesa. Roselene foi puxada pelo marido, Roque Voigt, 39 anos, com as crianças para a única peça de alvenaria da casa. Enquanto um paredão de nuvens com mais de 10 quilômetros de altura avançava sobre eles, Roselene ainda queria sair para salvar objetos da destruição iminente. Os filhos, Marilia, 14 anos, e Bruno, oito, imploravam para resgatar brinquedos e materiais da escola. Todos foram impedidos por Voigt.
Menos de um minuto depois de entrar no abrigo improvisado, escutaram o rugido das paredes de madeira da casa desabando. Voigt, decidiu levar a família para o centro do município em seu Corcel em busca de maior segurança, mas eucaliptos e pinheiros caídos bloquearam a estrada. Partiu sozinho, a pé, em busca de auxílio. Pouco depois, entulhos trazidos pelo vento deixaram mãe e filhos trancados.
A água da chuva corria através das telhas quebradas. Como ela e os filhos não podiam sair, rezavam para que o rugido da tempestade finalmente silenciasse.
Somente por volta das 21h30min o marido retornou com um amigo. Desbloquearam a porta do banheiro e retiraram Roselene e os filhos. Quando a família olhou para a casa, percebeu que pouco restava. No quarto, apenas um roupeiro permanecia de pé. A cozinha e a sala de jantar ficaram com as paredes tortas, sem telhado.
– Nós imaginávamos que com lonas conseguiríamos improvisar para ficar aqui, na nossa casa mesmo. Mas é impossível – frisou Roselene, que se refugiou na casa da sogra.
Um banheiro também se transformou em refúgio para outra família. Ao ver raios cortando nuvens densas, Lairton André Koeche, 36 anos, reuniu a mulher Elisângela Koeche, 32 anos, e os filhos Leonardo, 13, Bruno, quatro, e Milena, dois, desligou a TV e correu para o box.
– Era uma roncalheira pior que o motor de um trator – relembra Lairton.
Parte do telhado foi arremessada para um lugar, ainda ontem, desconhecido. Elisângela pressentiu o pior:
– Os relâmpagos iluminavam o galpão, que estava destruído, e a casa da frente, completamente destelhada. Achei que o pessoal poderia ter morrido.
Desesperada, Elisângela gritava:
– Vocês estão vivas?
Quase sem forças, as primas Celi e Maiara, protegidas embaixo de uma mesa, responderam minutos depois:
– Estamos aqui!
Pelo menos 31 municípios relataram danos à Defesa Civil
Em meio ao breu, arriscaram-se por cima de troncos, desviaram do barro e caminharam 30 metros até juntarem-se aos Koeche. Protegidos em um dos cômodos da casa, todos aguardaram o amanhecer para avaliar o estrago. Temiam pelas 20 vacas leiteiras que garantem o sustento da família.
– Há um mês nós perdemos uma vaca, que morreu durante uma chuvarada – conta Lairton.
Pela manhã, a cena era desoladora. Um capão de eucaliptos, plantados duas décadas atrás para servir de refúgio ao gado, transformou-se numa arapuca. Arrancadas do solo avermelhado, dezenas de árvores caíram sobre os animais. Quatro delas, com três anos de idade, morreram.
– Nem fui lá olhar aquela tristeza – diz Elisângela, secando as lágrimas.
Na zona urbana, cerca de 300 das 450 casas existentes foram destelhadas. A fúria ainda interditou 14 dos 19 leitos do hospital municipal e desfigurou o principal ponto turístico da cidade de 3 mil habitantes. Parte dos mais de cem ciprestes esculpidos na Praça Tancredo Neves, patrimônio cultural do Estado, foram ao chão.
O cenário de desolação de Victor Graeff e pelo menos outros 31 municípios que relataram danos à Defesa Civil do Estado foi resultado da passagem de uma frente fria abastecida por grande quantidade de umidade proveniente da Amazônia e pelo choque com uma massa de ar quente que superava os 30°C no noroeste gaúcho. Ao avançar rumo ao norte, as nuvens negras danificaram pelo menos 2,4 mil casas no Estado, desalojaram 500 pessoas, derrubaram árvores e deixaram 60 mil consumidores sem energia elétrica até a noite de ontem.
Os temporais provocaram 10 mortes na Argentina, quatro em Santa Catarina, em Guaraciaba, e três em São Paulo. Conforme a Central de Meteorologia, o oeste catarinense foi alvo de um tornado – fenômeno que não é descartado também na Argentina ou no Rio Grande do Sul.
– Não podemos desconsiderar que alguma região mais afetada, como Victor Graeff, também tenha sofrido os efeitos de um tornado. Será preciso fazer uma análise mais detalhada – afirma Estael Sias, da Central de Meteorologia.
Até a noite de ontem, três municípios haviam oficializado situação de emergência junto à Defesa Civil Estadual – Victor Graeff, Frederico Westphalen e Itaara. Hoje, porém, esse número deverá se multiplicar.
(Zero Hora, 09/09/2009)