O tom do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – em ocasião da divulgação, no dia 31 de agosto, das novas regras para a exploração do pré-sal – foi nacionalista, estatizante, evocou os tempos getulistas do “petróleo é nosso” e ainda criticou a gestão tucana de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), acusada por ele de entreguista.
Entretanto, basta uma breve olhada nas novas regras para saber que a fala de Lula não se justifica completamente. Emanuel Cancella, da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), avalia que “a proposta não contempla as reivindicações do movimento social”, ainda que pondere que “a proposta não é neoliberal”. Já João Antônio de Moraes, Federação Única dos Petroleiros (FUP), tem opinião semelhante: “a proposta fica no meio do caminho, é um avanço em relação ao que se tem, mas está longe do que propõem os movimentos sociais”.
“O que se tem”, nesse caso, é a Lei de Petróleo 9478, de 1997, editada por Fernando Henrique Cardoso, que quebrou o monopólio estatal do petróleo nas atividades relacionadas à exploração, desenvolvimento e produção, estabelecendo regras bastante convidativas para as transnacionais do ramo.
Novas regras
Ao todo, serão mandados ao Congresso, em regime de urgência (devem ser votados em no máximo 90 dias), quatro projetos de lei. Dentre as mudanças mais importantes, os poços de petróleo do pré-sal não serão explorados em regime de concessão, como na Lei 9478, mas em regime de partilha. A União terá sempre uma parte da produção em óleo cru, definido pelo percentual da partilha, que será estipulado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) no caso de não realização de leilões, ou será o percentual ofertado pelas empresas no leilão. A Petrobras também poderá explorar 100% de um poço, abrindo a licitação apenas quando julgar necessário.
A proposta dos movimentos sociais é de que a Petrobras seja reestatizada e tenha controle de toda produção de petróleo do país, não apenas a do pré-sal, mas de todos poços cedidos desdes 1997.
Para administrar os recursos, um segundo projeto de lei irá criar a Petrosal, que representará a União, mas não desenvolverá tecnologia para extrair e produzir petróleo e derivados, o que ainda ficará a cargo da Petrobras. Esta ainda receberá (terceiro PL) uma injeção de recursos no valor de R$ 100 bilhões, o equivalente a 5 bilhões de barris de petróleo.
Fundo social
Por fim, um projeto de lei trata da criação de um fundo que deverá ser formado a partir dos recursos obtidos com a produção de petróleo e cujos rendimentos deverão ser utilizados na área social. Esses recursos não poderão ser contingenciados (para fazer superávit). Essa era uma das reivindicações dos movimentos sociais organizados em torno da campanha “O Petróleo Tem Que Ser Nosso”. Para Emanuel Cancella, trata-se de um ponto positivo da lei, embora tímido. “É pouco, queremos mais. Não podemos perder a oportunidade de pagar a dívida social que temos com o povo”, resume.
Porém, Moraes reconhece que não houve correlação de forças favorável para fazer valer a proposta da campanha. “A correlação só muda se o povo chamar para si a responsabilidade e o protagonismo. Se não tivermos mobilização social podemos perder os poucos avanços”, avalia.
No que depender da oposição ao governo, os quatro projetos de Lula não passarão facilmente pelo Congresso. Parlamentares do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), do Partido Popular Socialista (PPS) e do Democratas (DEM) já ameaçam a barrar as votações dos PLs, não atendendo ao regime de urgência pedido por Lula. Alguns foram até mais incisivos e rechaçaram o modelo de contrato de partilha, defendendo as concessões, como o presidente do PSDB, o senador Sérgio Guerra (PE).
Para Emanuel Cancella, ainda que os novos marcos regulatórios estejam longe do almejado pela esquerda, a oposição certamente irá tentar rebaixar ainda mais a proposta. “A luta está começando. Sem mobilização não fica nem a proposta do Lula”, avalia.
A Petrobras
Nascida como uma empresa mista em 1953, o capital social da Petrobras foi mantido numa proporção de 80% do Estado e o restante privado. O quadro se alterou significativamente nos dias de hoje (ver tabela com o quadro acionário da empresa). O afã privatizante da Petrobras na década de 1990 foi narrado pelo jornalista Aloyzio Biondi como uma articulação com pouco mais de 20 sócios, investindo R$ 140 milhões e contando com R$ 60 milhões do BNDES, que formou uma sociedade (Sociedade de Propósito Especial) para captar no mercado internacional R$ 1,3 bilhão. Essa jogada resultou num aporte de R$ 1,5 bilhão para um negócio com a previsão de faturamento de R$ 5 bilhões em médio prazo.
A atuação da Petrobras no mercado se concentrou em exploração, produção e em toda cadeia da indústria, sendo que da década de 1950 até o final dos anos 80 foram estritamente nacionais, passando a ter uma atuação internacional modesta no começo dos anos 90 (distribuição) e em meados da década mais amplos (gás e energia). Hoje, a empresa tem uma atuação como estatal no território nacional.
Mas, nos demais 27 países em que atua, sua postura é semelhante a das grandes transnacionais: busca de lucro e maximização de seus resultados, ampliando sua atuação num acelerado processo de concentração de capital.
O valor de mercado da estatal tem surpreendido pela variação ascendente. Em dez anos decuplicou, alcançando em junho a posição de 8ª maior empresa do mundo, considerando todos os setores, e a 3ª entre as petroleiras. Seus números surpreendem. Apenas com a confirmação de óleo na camada do pré-sal no campo de Tupi, em novembro de 2007, o valor das ações foi às alturas, acumulando R$ 57,6 bilhões em apenas dois dias.
Seu quadro de trabalhadores inclui contratados indiretos e empregados da companhia, alcançando aproximadamente uma relação de dois terços de terceirizados. Porém, o índice de acidentes fatais não segue essa proporção e, entre 2004 e 2008, num total de 73 vítimas, 66 foram de terceirizados (90,4%). O quadro de trabalhadores no exterior é de 6,7 mil funcionários próprios (aproximadamente 10% do quadro de funcionários no Brasil).
(Por Dafne Melo, Brasil de Fato, 03/09/2009)