Depois de quase 30 anos esquecida, o PAC trouxe de volta às preocupações dos moradores da região de Itapiranga (SC), a construção de uma usina hidrelétrica que pode atingir até duas mil famílias. O projeto, segundo Pedro Melchior, coordenador do MAB da região, começou em 1934, depois foi retomado na década de 1970 e, em 2002, os estudos de impacto foram refeitos para que, então, cinco anos depois, a obra fosse incluída dentro do Programa de Aceleração do Crescimento.
“A Desenvix e outras empresas que elaboram os estudos, como foi denunciado pelo MAB, não têm mais idoneidade para fazer o processo de estudo de viabilidade”, nos contou ele, nesta entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone. Melchior diz que muitas fraudes já foram encontradas em outros estudos, aplicados por essas empresas a frente do projeto da UHE de Itapiranga. “A lógica do setor privado não leva em conta a realidade concreta de quem vive nesta região nos estudos”, disse ele.
Confira a entrevista.
IHUnisinos – Como é a região de Itapiranga?
Pedro Melchior – A região de Itapiranga é uma região de povoado de alemães e vive praticamente da agricultura da integração. É uma região de pequena agricultura. É uma região muito bem desenvolvida economicamente e politicamente. Tem filhos que estudam na Europa. Isso no lado catarinense. No lado gaúcho, a cultura alemã também predomina, mas é conhecida como uma região cabocla também.
Como é o projeto da UHE de Itapiranga?
Melchior – O projeto da usina hidrelétrica de Itapiranga faz parte do estudo de inventários que existe desde 1934. Nos anos 1970, a Eletrosul fez novamente um reestudo do inventário e aí apareceu a possibilidade de construir uma grande hidrelétrica naquela região. Naquela época, algumas igrejas, sindicatos e universidades deram apoio à população que estava sendo ameaçada, e organizaram os atingidos. Fizemos, então, uma luta de resistência contrária a essa decisão. Isso foi muito forte entre os anos de 1984 e 1985, daí foram expulsos engenheiros da Eletrosul, foram feitas várias manifestações.
Em 2002, a Aneel autorizou uma empresa chamada Desenvix a fazer novamente um estudo de inventário da hidrelétrica de Itapiranga. Com isso, começaram a se aproximar dos prefeitos dos municípios para entrar e começar a fazer os estudos. Em 2007, essa obra entrou no PAC. Então, depois de quase 30 anos, a Hidrelétrica de Itapiranga foi oficializada. Novamente, então, começamos o processo organizativo em protesto a essa obra.
Como os movimentos sociais estão se organizando contra a barragem?
Melchior – O MAB surgiu, principalmente, nessa região, nos anos 1980. Portanto, lideranças daquela época estão conduzindo as manifestações hoje. Atualmente, a luta não é só do MAB. A resistência contra a usina é também uma luta dos movimentos ligados à Via Campesina, Pastoral da Juventude, CPT e Federação de Estudantes de Agronomia. Nesse processo, também estão na luta contra a barragem seis prefeituras de municípios que serão atingidos.
A Desenvix está realizando os estudos ambientais. O que o MAB pode falar sobre esta empresa?
Melchior – A Desenvix e outras empresas que elaboram os estudos, como foi denunciado pelo MAB, não têm mais idoneidade para fazer o processo de estudo de viabilidade. Já foram demonstradas fraudes em várias hidrelétricas que essas empresas atuaram. A lógica do setor privado não leva em conta a realidade concreta de quem vive nesta região nos estudos.
Quem quer concorrer no leilão para a construção da usina?
Melchior – A informação que temos é que nem o Ministério de Minas e Energia sabe como vai ser o processo. Essa foi a fala do ministro. Eles querem que, em 2013, esteja pronto, mas não há nada definido. Ouvimos falar que provavelmente empresas ligadas ao Governo Federal entrarão na disputa para construir a usina. São as informações que temos.
Que alterações socioeconômicas deverão ocorrer nas regiões atingidas pela usina hidrelétrica?
Melchior – O que temos de informação é existe um levantamento econômico, feito secretária da fazenda do município, sobre como é a geração de renda nas comunidades atingidas. Nós estamos ainda finalizando o levantamento, mas aproximadamente se deve chegar a 150 milhões de reais por ano em relação ao impacto econômico que as comunidades atingidas vão sofrer. E o retorno que a Desenvix está apresentando sobre as regiões atingidas é de cinco milhões por ano. Isso tem mobilizado a sociedade e as prefeituras, pois os royalties que os municípios receberão não vão compensar as perdas, já que eles já são desenvolvidos economicamente.
O estudo que fizemos aponta que entre 1500 e duas mil famílias serão atingidas. As empresas estão colocando até 60% menos na pesquisa. Elas também colocam que não haveria impacto econômico porque ela teria uma altura de 39 metros e isso é como uma enchente do Rio Uruguai. Sabemos que isso não é verdade, que isso é tática para fazer o levantamento e aprovar o projeto.
(IHUnisinos, 05/09/2009)