Principal exemplo da concentração populacional de índios Guarani Kaiowá em espaços reduzidos (ilhas) em Mato Grosso do Sul, a reserva de Dourados – onde mais de 13 mil indígenas dividem 3,5 mil hectares – enfrenta problemas sociais que vão além da escassez de terra para plantar. Alcoolismo, assassinatos, suicídios e disputas internas são faces da realidade cotidiana na aldeia. Quem nasceu e cresceu na região defende reforço policial e garante que as principais causas da violência são a superlotação e a presença de mestiços e brancos no local.
“Essas drogas e bebidas que entram é porque pessoas não indígenas ficam aqui quase 24 horas por dia. A cidade é pertinho e eles entram com essa droga porque os indígenas que trabalham na usina [de cana-de-açúcar] têm seu dinheirinho e compram essa droga, porque fazem a cabeça do índio, que é fraca demais”, assinalou Getúlio Juca de Oliveira, 56 anos, tradicional líder da reserva de Dourados. Ele já foi capitão da aldeia e hoje ajuda a organizar assembleias indígenas. “Tem uma família aqui, outra ali, outra lá e não tem como sair. Queremos plantar, mas não tem espaço. O índio sai de manhã e já vê a cara do vizinho a uma distância de 20 metros. Antigamente um vizinho, uma família, vivia a 20 quilômetros um do outro, uma da outra”, acrescentou ele, que vive com dez parentes em casa de sapê.
O número crescente de assassinatos na aldeia preocupa as famílias. A reserva de Dourados, que fica a poucos quilômetros do perímetro urbano do município sul-mato-grossense de mesmo nome, tem um índice de 145 homicídios para cada grupo de 100 mil habitantes, de acordo com dados do MPF. A média brasileira é de 24,5. Muitos indígenas, como Itamar da Silva, 32 anos, pai de três filhos pequenos, evitam sair de casa à noite. “Aqui perto de casa, toda noite, depois das 8h, ficam dando tiro na encruzilhada. São caras que vêm da cidade e se juntam com o pessoal novo, trazem bebida e saem por aí provocando os moradores”, relatou Silva.
“Hoje, para mandar a criança para escola à noite não dá mais, porque lá na frente já encontra gente com facão e arma de fogo na estrada. E também lá dentro da escola já começa essa coisa maldita de cigarro e droga”, reforçou Alda, 58 anos, mulher de Oliveira. Ela, como outros líderes da aldeia, acredita que só a presença mais ostensiva de policiais poderá levar paz ao local. “Por causa do mestiço e do branco que entram na nossa aldeia é que estão acontecendo os problemas. Precisamos de Justiça e segurança. Se tivesse mais polícia fazendo ronda, a gente ficaria feliz. Pedimos, pelo amor de Deus, socorro. Até criancinha pequena está tomando [bebida alcoólica] e fumando”, disse Alda.
Para o líder Getúlio, a impunidade em relação aos crimes na aldeia gera mais violência. “O parente do finado fica bravo igual a uma onça quando vê que não acontece nada e aí pioram as coisas. Tem que ter um castigo”, defendeu. Uma força-tarefa envolvendo agentes da Polícia Federal e policiais militares está responsável por fazer policiamento de rotina nas aldeias Jaguapiru e Bororó, que integram a reserva de Dourados, a pedido do Ministério Público Federal (MPF). Não está descartado a solicitação de reforço da Força Nacional de Segurança Pública para conter a violência na área. Os suicídios são encarados como uma doença que se espalha e são combatidos, segundo Getúlio, com muito trabalho dos líderes espirituais.
(Por Marco Antonio Soalheiro, Agência Brasil. 04/09/2009)