O processo de escolha das novas usinas nucleares do Nordeste está a pleno vapor. Em outubro, a Eletronuclear pretende levar ao Ministério de Minas e Energia uma lista com os 20 lugares em quatro Estados do Nordeste - Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas - que poderiam receber a central nuclear. Os estudos estão sendo feitos junto com pesquisadores da Coppe-UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e levam em conta uma centena de variantes ambientais, sociais, geofísicas e econômicas. A ideia é fazer um diagnóstico detalhado que antecipe os pontos de resistência ao empreendimento e facilite o licenciamento e aprovação do EIA-Rima. Na estratégia estão sendo gastos US$ 10 milhões.
"Neste momento, estamos identificando os lugares onde não podemos construir as usinas", explica Leonam dos Santos Fernandes, assistente da presidência da Eletronuclear. A metodologia de escolha da central nuclear do Nordeste, que abrigará duas usinas com previsão de chegar a seis pelo planejamento energético até 2030, compreende quatro fases. As duas primeiras descartam lugares ou indicam aqueles que deveriam ser evitados. Aqui os técnicos analisam, por exemplo, a existência de falhas geológicas, temperatura ambiente, risco de inundação e disponibilidade de água, porque as usinas precisam de grandes volumes para refrigerar o reator.
A Eletronuclear foi atrás de um manual moderno de critérios para selecionar o local e evitar muita dor de cabeça futura. A opção foi pelo guia do Eletric Power Research Institute, dos Estados Unidos. "O que se quer com o sítio é que seja bom, licenciável rapidamente, pelo menor custo possível e atendendo à maior parte dos anseios da população", diz Drausio Lima Atalla, supervisor da presidência da Eletronuclear para novos empreendimentos.
Ele é o autor do livro "Usinas Nucleares - Escolha do Local", lançado há 15 dias em Recife, durante um workshop realizado pela empresa e pela Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan). No dia anterior, a Eletronuclear inaugurou seu braço avançado no Nordeste, o escritório em Recife. Na segunda quinzena de novembro deve ocorrer outro seminário do gênero, em Maceió.
Aparentemente, os quatro governadores estão de braços abertos para receber as usinas. Eduardo Campos (PSB), de Pernambuco, ex- ministro da Ciência e Tecnologia, é um defensor do nuclear. Jaques Wagner (PT), da Bahia, costumava dizer que faria um plebiscito para os baianos se colocarem a respeito, mas não tem voltado ao assunto. O governador de Alagoas, Teotônio Vilela Filho, visitou a central de Angra dos Reis no fim de agosto e voltou entusiasmado. "Serão 4 mil empregos de início, mais renda, impostos, royalties", publicou o site oficial do Estado. A instalação das nucleares em Alagoas, segundo o governador, pode ser "um ato de humanidade".
Um texto de Atalla sobre o impacto econômico da geração nuclear indica os caminhos do lobby do setor. Está lá que a central nuclear de Indian Point, a 40 km de Nova York, emprega 1.683 pessoas, 80% vivem nas proximidades e a renda média anual dos funcionários é quase 50% maior do que a média dos salários pagos no Estado. Depois vem o paralelo com a central de Angra, os 2.223 empregados da empresa, sendo 1.700 residentes junto às usinas e "um aumento no recolhimento de impostos da ordem de R$ 500 milhões", sem especificar qual é a parte que cabe aos cofres estaduais.
Estes argumentos, citados no seminário de Recife, comparam a arrecadação com os orçamentos estaduais de R$ 13 bilhões em Pernambuco, R$ 4,8 bilhões em Alagoas e R$ 4,3 bilhões em Sergipe. "O impacto econômico de uma eventual central em muito poderá alavancar o desenvolvimento desta região", conclui o texto.
O trabalho, agora, é cruzar todos os dados disponíveis e cotejar lugares com as imagens de satélite, explica Moacyr Duarte, pesquisador da Coppe e coordenador do estudo. Salvador e Recife são dois "centros de carga", que no jargão do setor se traduzem por dois polos de muita demanda por energia. As centrais não devem ficar a menos de 50 km de grandes centros, mas muita distância significa custos altos com linhas de transmissão. Os estudos traçam círculos em volta de Salvador e Recife, observando lugares a 350 km de distância das capitais.
Há diagnósticos semelhantes sendo feitos em todo o Nordeste. O litoral está sendo esquadrinhado pela vantagem da proximidade com o mar, assim como acontece em Angra. O rio São Francisco, outro ponto interessante, tem três tipos de desvantagens, diz o ambientalista Sergio Dialetachi, consultor em energia e clima para a Fundação Heinrich Boell, ligada ao movimento verde alemão. A vazão do rio tem baixado nos últimos anos, a água que volta das usinas depois do resfriamento está 3°C mais quente e pode causar impacto nos peixes, e o rio é culturalmente emblemático e a resistência promete ser grande.
"O que mais me preocupa é esta investida na área de comunicação social e distribuição de benefícios", diz Dialetachi. Em Angra, cita, "os funcionários ligados à área de responsabilidade social visitaram 17 comunidades, praia por praia e depois as cidades ao redor. Para todos os focos de resistência, falam de benfeitorias e na contrapartida ideal, e as lideranças comunitárias vão diminuindo a sua oposição", diz. Em Alagoas, lembra, há só uma ONG com registro no Conama. "O mundo do nuclear é o mundo da incerteza", continua o consultor.
O cronograma da Eletronuclear é apertado e a intenção é ter o local definido ainda no governo Lula. A expectativa é que a primeira usina esteja operando em 2019, e a segunda, em 2021. Considerando 18 meses para preparar o lugar e mais 60 meses de obras, numa previsão otimista, a construção tem que ser disparada na metade de 2012.
(Por Daniela Chiaretti, Valor Econômico, 04/09/2009)