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derretimento das geleiras riscos climáticos
2009-09-04

Associada no imaginário coletivo à Amazônia, a maior selva tropical do mundo, a América do Sul também abriga ao longo de sua área oeste, do Equador à Argentina, geleiras que estão em processo acelerado de degelo devido ao aquecimento global. Em agosto desapareceu a geleira Chacaltaya na cordilheira dos Andes, na Bolívia, que tinha 18 mil anos de existência. Os especialistas esperavam o degelo para 2015, mas ocorreu antes e agora o que foi uma pista de esqui valorizada por ser a mais alta do mundo, com 5.300 metros acima do nível do mar, agora é uma declive de rocha e algumas placas isoladas de gelo.

No Equador, um deslizamento ocorreu este ano na base da geleira Cayambe e matou três turistas e um guia de alta montanha. Pouco antes, em maio, uma inédita enxurrada causou graves danos na região de Pampa Linda, no sul argentino, na base do Monte Tronador, por causa do colapso da geleira nessa montanha. São movimentos isolados que confirmam a tendência ao colapso, afirmam especialistas.

“As geleiras no Equador, Peru e Bolívia estão com os dias contados”, disse à IPS Juan Carlos Villalonga, diretor do capitulo argentino da organização não-governamental Greenpeace. O retrocesso também afeta os gelos da zona de Cuyo, a oeste da Argentina, e os mais vastos da Patagônia tanto do lado argentino quanto chileno, no sudoeste da América do Sul, acrescentou. Para o Greenpeace, este processo tem de servir para abrir os olhos dos líderes mundiais que se reunirão em dezembro em Copenhague, na XV Cúpula Mundial de Mudança Climática. Para a entidade, falta maior compromisso de redução de emissões de gás de efeito estufa, que aquecem a atmosfera.

Em conversa com a IPS, o especialista em geleiras Ricardo Villalba, do Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais (Ianigla) explicou que a retração das enormes massas de gelo “é um processo global que começou em 1850 e sofreu uma aceleração a partir de 1970%. Porém, alertou que esse processo “não é igual”. No Equador ou na Bolívia, onde as geleiras são menores, é fácil derreterem mais rapidamente”, explicou. Já na Argentina existe algum retrocesso “impressionante” e outros que se mantêm, dependendo da temperatura e das precipitações. No entanto, em média, Villalba disse que houve um retrocesso de 10% a 20% nas geleiras da Patagônia nos últimos 20 anos. “Se for mantida essa tendência, estes gelos desaparecerão entre 60 e 70 anos”, ressaltou.

Em um estudo intitulado “Mudança Climática: futuro negro para as geleiras”, o Greenpeace alertou em agosto sobre a aceleração do degelo na América do Sul. O informe recorda que o Painel Intergovernamental de Especialistas em mudança climática (IPCC) previu esta tendência em 2007. Segundo o IPCC, a média da temperatura global nos últimos cem anos aumentou 0,764 graus e a cobertura de gelos permanente e neve diminuiu em escala global. Também assinala que dos últimos 12 anos, 11 foram mais os mais quentes desde 1850 e que a previsão indica que o aumento continuará neste século.

“Um dos efeitos esperados da mudança climática é o desaparecimento maciço de gelos permanentes da superfície da Terra, tanto em calotas polares quanto nos diversos corpos de gelo sobre os continentes”, destaca o Greenpeace. Este fenômeno terá severas consequências, acrescenta. Em primeiro lugar, provocará o aumento do nível do mar e seus efeitos em forçadas migrações que provocará aumento da mudança climática devido à radiação solar que a superfície da terra absorverá.

Mas, acima de tudo, o derretimento das geleiras implica a perda de imensas reservas de água doce para consumo humano, e também para as bacias hidrográficas que contribuem para a geração de energia hidrelétrica. Estas perdas afetarão particularmente a região andina sul-americana. “Na América do sul existe uma variedade surpreendente de geleiras ao longo da cordilheira dos Andes e as mais extensas estão na Patagônia”, segundo o Greenpeace. O informe diz que no Equador “é iminente seu desaparecimento”, e destaca a importância nesse país ao afirmar que 450% da água utilizada em Quito provêm de degelo das geleiras.

O estudo confirma o que já foi apontado em 2008 pelo Banco Mundial em sua pesquisa intitulada “O impacto da mudança climática na América Latina”. De acordo com o Banco, “70% das geleiras tropicais do mundo estão nas elevadas montanhas da cordilheira dos Andes, no Equador, Peru e na Bolívia”. A instituição acrescenta que só no Peru, onde milhões de pessoas se abastecem de água de degelo, foram perdidos 22% da superfície das geleiras em pouco mais de 30 anos. Quelcaya perdeu 20% de seu volume desde 1963. “Retrocedeu mais rápido no último século do que nos 500 anos anteriores”, afirma o Greenpeace. “O retrocesso aumentou 30 metros ao ano na década de 90”, ressalta, em referência a essa geleira que abaste de água a cidade de Lima.

Na Argentina, na região de Cuyo, com vastas geleiras, “a situação é muito crítica”. A água é um recurso muito escasso ali. Na província de Mendoza, apenas 3% do território é oásis, o restante é deserto e depende fortemente da provisão de água de degelo. Na Patagônia, há cerca de 20 mil quilômetros quadrados de geleiras entre Argentina e Chile. Ficam nos dois países os Campos de Gelo Sul, com 13 mil quilômetros quadrados; os Campos de Gelo Norte no Chile, com 4.200 quilômetros quadrados, e a cordilheira Darwin, também compartilhada pelas duas nações, com 2.500 quilômetros quadrados.

“Muitas das maiores geleiras nestes campos experimentam uma severa redução e um sério retrocesso de vários quilômetros”, com exceção de dois deles, o Perito Moreno na Argentina e o Pio XI no Chile, que se mantêm estáveis ou mesmo avançam, informa o Greenpeace. Para Villalba, a subsistência destes frágeis ecossistemas se relaciona com o balanço que conseguem entre a neve que cai e a temperatura que deve ser mantida baixa para que não derretam. Nesse sentido, o especialista disse que o retrocesso recente está relacionado principalmente com a elevação da temperatura.

A geleira Upsala, por exemplo, está em processo de retração impressionante”, disse o especialista. Este campo de gelo desemboca no Lago Argentino, na província de Santa Cruz, e esse contato com a água o expõe a uma erosão mais acelerada. Algo semelhante ocorre com o Viedma na mesma província. “Enquanto prosseguir a emissão de gases de efeito estufa, este processo se intensificará, por isso exortamos no sentido de se reduzir o uso de combustíveis fósseis e pensar em energias alternativas”, ressaltou.

(Por Marcela Valente, IPS / Envolverde, 03/09/2009)


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