O governo da Austrália decide eliminar 650 000 do 1 milhão de animais soltos no interior do país. Até turistas são bem-vindos para a caçada
Não é o tipo de animal que se imagina caçado a tiros, mas já há quem viaje para a Austrália especialmente para abater camelos. O americano Mike Mistelske, que já caçou elefantes em Botsuana e cabritos selvagens nas montanhas da Nova Zelândia, participou neste ano de um safári no deserto australiano. Durante dois dias, ele e um grupo de turistas, a bordo de duas picapes 4X4, rastrearam os animais pelo outback, o sertão australiano.
Nas duas ocasiões em que localizaram bandos de camelos, os disparos foram feitos a 300 metros de distância. "São necessárias duas ou três balas para derrubar um animal", disse Mistelske a VEJA, na semana passada. O tiro de misericórdia normalmente é dado na cabeça. Caso o caçador deseje levar o crânio como troféu, o disparo final mira o coração. O animal abatido é abandonado ao sol e vira banquete para águias, raposas e dingos, os cães selvagens da Austrália. Em uma semana, sobram apenas os ossos.
A matança de camelos não apenas é permitida, mas tem o incentivo oficial. No fim de julho, o governo australiano lançou uma campanha para abater 650 000 animais, dois terços da população de 1 milhão. Até destinou uma verba de 16 milhões de dólares para ajudar nas despesas dos caçadores, especialmente os profissionais que perseguem os animais de helicóptero. Importados da Arábia Saudita, foram introduzidos no país em 1840 para servir de bestas de carga na travessia dos vastos desertos do interior. Muitos animais acabaram fugindo para o outback, onde se multiplicaram até se converter na praga atual. Eles invadem os banheiros das casas em busca de água, quebram tubulações nas lavouras, derrubam cercas, comem a grama nos jardins e os arbustos no campo, acelerando a desertificação.
Veja Quadro – Massacre consentido
A Austrália tem uma lista de 56 animais cuja extraordinária proliferação os coloca na categoria de pragas. Vários fatores facilitaram a multiplicação desses animais, que são, na maioria, espécies exóticas: a falta de predadores, de barreiras naturais, como montanhas, e os grandes espaços com escassa presença humana. Até os cangurus, nativos do país, multiplicam-se hoje como coelhos (veja quadro abaixo). O abate dos camelos provocou duas reações. A primeira foi contra a morte de animais inocentes. A matança, contudo, visa a preservar o ambiente original. "Enquanto a caçada comercial pode extinguir espécies inteiras, a esportiva, feita sob controle, ajuda na preservação dos animais silvestres", diz o ecólogo Luciano Verdade, do câmpus da Universidade de São Paulo em Piracicaba. A segunda rea-ção foi uma tentativa frustrada de aproveitar a carne do bicho. "Transportar um bicho de 600 quilos do meio do deserto para virar ração na cidade seria um pesadelo logístico", disse a VEJA Leszek Kosek, que presta consultoria a caçadores na Austrália. As carcaças continuarão abandonadas no deserto.
(Por Duda Teixeira, com reportagem de Juliana Cavaçana, Revista Veja / Planeta Sustentável 02/09/2009)